"O desconhecimento de qualquer forma de
convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo representa
um aspecto da vida brasileira." A afirmação data de 1936 e é extraída do
livro "Raízes do Brasil", do historiador Sérgio Buarque de Holanda
(1902-1982). É ele o criador do conceito de homem cordial. Se trata de
uma interpretação sobre quem seria o brasileiro, um sujeito dado,
principalmente, aos impulsos da emoção. Afável ao mesmo tempo em que
truculento, de arroubos. O pensamento dele ganhou status de
atemporalidade e ainda é buscado por quem se dedica a entender questões
nacionais.
A obra consegue abrigar exacerbações de origem
política, a exemplo da petição online que resultou na ausência da
jornalista Miriam Leitão e do escritor Sérgio Abranches, companheiros,
de uma feira literária em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina,
recentemente. "Ocorre que por seu viés ideológico e posicionamento, a
população jaraguaense repudia sua presença, requerendo, assim que a
mesma não se faça presente em evento tão importante em nossa cidade",
justificava o documento.
É o mesmo que dá conta do constrangimento ao qual foi
submetido o ministro da Educação, Abraham Weintraub. De férias com a
família em Santarém (Pará), trajando blusa gola polo, ele foi cercado
por manifestantes críticos à sua gestão à frente da pasta.
Embora Jair Bolsonaro (PSL) já tenha desfilado no
tradicional Rolls-Royces e tomado posse como presidente da República,
especialistas dizem que as urnas de 2018, parece, ainda não foram
apuradas. Por que?
Para o cientista político e professor da Universidade
Mackenzie (SP), Rodrigo Prando, o tal clima de campanha é uma via pela
qual Bolsonaro mantém as chamas do "bolsonarismo" acesas - núcleo fixo
de apoio ao presidente estimado em 30% da população. O apoio destas
massas funciona como um dos pilares para a manutenção da
governabilidade. "Ele foi eleito assim", costumam argumentar apoiadores
do presidente, em referência à campanha e à atuação do parlamentar.
Prando fia-se em Sérgio Buarque de Holanda para
explicar o que diz ser um traço não somente do bolsonarismo, tema de
livro que escreve, mas da cultura política brasileira: autoritária e
personalista. "O ex-presidente Lula e os petistas sempre buscaram
dividir e acirrar", remonta. "Quando ele assume, imediatamente tacha o
governo FHC (1995-2003) de 'herança maldita'". O docente detecta "certo
messianismo" no jargão "nunca antes na história desse País", uma das
marcas de Lula.
Os traços citados, então, seriam gatilhos para a
construção de uma cena política hostil. Isso porque a conduta de líderes
populistas, prossegue o professor, permeia a dinâmica das ruas, o
cotidiano que se tem longe do Palácio do Planalto.
O mestre em Sociologia, doutor em História e professor
da Universidade Federal do Ceará (UFC), Rui Martinho, entende ser
sintoma de populismo a comunicação que passa ao largo das instituições,
indo diretamente às pessoas. "Certamente tem relação com a exacerbação
de ânimos", afirma. Segundo ele, as estratégias políticas de manter
militâncias mobilizadas, na maioria dos casos, tem prazo de validade
limitado. "Tem gente que se alimenta de conflito, mas as multidões
cansam desse tipo de liderança."
Prando volta para a corrida presidencial, que entende
ter sido marcada por ódios e rejeições. Quando Lula, preso, foi
impossibilitado de entrar no páreo, o candidato derrotado Fernando
Haddad (PT) deparou-se com alguém que, mesmo acamado, tem "DNA político
de enfrentamento constante", interpreta o estudioso.
Ele ressalva, todavia, que o tensionamento verificado
nos casos de Miriam, Abranches e Weintraub não representam um mero
rescaldo do pleito que passou. Manifestação de mesma natureza pôde ser
vista com o jornalista e hoje colunista do O POVO,
Demétrio Magnoli, e o filósofo Luiz Felipe Pondé, em 2013, com o Brasil
sob furor da Jornadas de Junho. Assim, os processos estariam em
constante processo de complementação. "Agora, o bolsonarismo se nutre do
anti-intelectualismo, confronta dados e prefere confiar naquilo que ele
sente do que, efetivamente, na ciência", relacionou Rodrigo Prando, em
mais uma referência a Holanda.
Um problema, duas versões
Antagônicos, Heitor Freire, bolsonarista de
primeiro mandato, e José Guimarães, petista com décadas de estrada
política, expressaram opinião sobre a intranquilidade que parece dar o
tom das ruas quando o assunto é política. Por diferentes razões, eles
reforçaram impossibilidade de diálogo:
Oposição
Nosso papel, dado pelas urnas, é fazer oposição,
como fazemos com bastante responsabilidade. É razoável o presidente
dizer o que ele disse do Nordeste? Depois desdiz, parece um louco. Como é
que quer clima democrático no Brasil? Governo autoritário não pode
construir clima de diálogo nas ruas. É um governo autoritário, de
proveta, de viés fascista, o maior incentivador do preconceito, do ódio e
desse clima beligerante. O Brasil vai pagar caro por isso.
Governo
É lamentável que a esquerda ainda não tenha
aceitado a vontade do povo, o resultado legítimo das últimas eleições, e
que seu tempo acabou. Eles não trabalham e querem prejudicar quem
trabalha e luta por um Brasil melhor! Eu, nosso presidente Bolsonaro, e
todos os que foram eleitos e estão fazendo de tudo para o país avançar.
Não estamos mais preocupados com brigas eleitorais, mas sim em gerar
mais emprego, aprovar as reformas e tantas pautas que hoje são a nossa
prioridade.
A filosofia de Glauber
"Se for uma disputa sadia, democrática, com base
nos direitos humanos, é possível, sim, diálogo. Tenho alguns amigos
'bolsominion' e tal, e aí só os que são amigos mesmo e você percebe
neles um (costume de) questionamento, que votou por erros do PT, pode
sim ter alguma conversa. Quando é só ódio, acho difícil."
Ivelise Costa e a irmã
"Quando a coisa parte pra uma discussão mais
acesa, prefiro me calar, engolir minha opinião. Acho que se Bolsonaro
está lá, escolhido pelo povo, tem que respeitar. Sou Bolsonaro, tenho
uma irmã Lula doente. Não convivi (em 2018) porque moro fora do País. A
gente tem que respeitar o outro... respeito plenamente minha irmã"
José Alberto vê a "mesma coisa"
"Rapaz, é o seguinte, a política é uma coisa que
nós tudo 'tamo' no meio. Um pensa de um lado, outro pensa do outro, mas
tudo é a mesma coisa. Ano passado votei no Lula (se corrigiu e disse que
votou no 'presidente que está agora', Bolsonaro). Ele está fazendo
coisa boa. Agora está bom. Todos os candidatos são bons."
Otávio Gomes ficou sem opção
"A questão de conversar sobre política ficou muito
difícil, né? Fica difícil até conversar (...) Não votei em nenhum dos
partidos (durante o segundo turno, que teve PT contra PSL) e, assim,
estou muito decepcionado com a política em geral, tanto no governo
passado como no atual."
o Povo