90% das cidades cearenses têm relação de dependência com o fundo educacional
As discussões relativas à continuidade do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) são acompanhadas de
perto por estados e municípios. Em tese, este esquema de fomento à
educação deixará de existir depois do dia 31/12/2020. É também por este
período que novos prefeitos estarão sendo eleitos, outros tantos
reeleitos, mas todos já com olhares para as contas do ano seguinte.
Deputada Professora Dorinha, relatora da PEC que pode transformar o Fundeb permanente
No Ceará, das 184 cidades, 174 têm relação de
dependência com o Fundo. É o que relata o consultor econômico da
Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), André Carvalho.
Da contagem cearense, ficam de fora os grandes centros, como Fortaleza,
Caucaia, Sobral e Maracanaú. "Em média, os municípios do Ceará, de cada
R$ 100 que eles têm para prover educação, R$ 86 são do Fundeb", alerta
Carvalho, situando o Ceará como o nono mais dependente dos repasses
dentre os estados brasileiros
Um dinheiro que poderia ser aplicado em reformas,
construções de novas estruturas, hoje, é voltado 110% em média para a
folha de pagamento, que inclui professores e servidores das escolas
públicas. A época áurea de facilidades no manejo do Fundeb, informa
Carvalho, remonta os anos de 2010, 2011, 2012. Nos anos seguintes, ele
diz, com ápice em 2017, o Fundeb registrou declínio até se mostrar
insuficiente.
Como evidência de que o Fundeb precisa passar por
renovação, o consultor lembra de Pacujá, cidade próxima a Sobral, que já
gastou 140% só com a folha de pagamento de servidores educacionais. Foi
em 2017. Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a cidade tem apenas 6.533 habitantes.
O problema também pode residir na baixa densidade
demográfica. André Carvalho menciona Independência, próximo a Várzea
Alegre e Crateús. Ali, são 7,95 habitantes por quilômetro quadrado: uma
área de 3,2 mil quilômetros quadrados para 26,1 mil habitantes. "Alta
dificuldade de formar turmas. Portanto, é um município que tem a média
aluno por professor baixíssima, comprometendo bastante a folha de
pagamento."
E por que compromete a folha de pagamento?
Primeiramente, estados que não atingem o valor mínimo por aluno recebem o
auxílio da União. Para 2019, por exemplo, foram estipulados R$ 3.238,52
como o valor do aluno que está nos anos iniciais do ensino fundamental
urbano. O dinheiro é distribuído conforme necessidade de cada estado e
município. Se um município não consegue sequer formar turmas, isso
reflete no pagamento dos professores.
Outros impasses esbarram nas regras do próprio Fundeb. É
obrigatório que no mínimo 60% sejam destinados a professores. Nilson
Diniz (PDT), prefeito do Cedro e presidente da Aprece, revela que em
alguns casos isso faz professores receberem 13º, 14º, 15º salários para
atingir os 60%, ainda que fossem desnecessários. "E o gasto com
estruturas?", questiona Diniz.
Na avaliação do membro do Conselho de Educação do
Ceará, Marcelo Farias, o Fundeb demarcou evolução na educação local.
"Antes não era nem salário, era coisa insignificante." Apesar da
importância atribuída, ele diz que o assunto ainda não entrou na pauta
das discussões do Conselho, o que deverá ocorrer num futuro breve. "Até
porque o Conselho não pode desconhecer o financiamento da educação.
Certamente, deverá estar aí debatendo isso para subsidiar a Secretaria
(de Educação)."
Embora André Carvalho coloque Maracanaú fora da lista
das cidades dependentes dos repasses, Farias, que também é secretário de
Educação, destaca que o os repasses do Fundo são importantes ao
município. "Embora insuficiente para arcar." E diz: "a lei determina que
no mínimo 60% sejam gastos com pagamento de professores, mas mais de
90% vão para esse pagamento dos profissionais do magistério. Quanto mais
for (a complementação federal), melhor", afirma.
Em Brasília, três propostas tramitam visando
a continuidade do Fundeb. Em termos de apoio, a relatada pela deputada
federal e professora Dorinha Seabra (DEM-TO) está à frente das PECs 33 e
65, de 2019, essas no Senado Federal. Um dos pilares da proposta é o
aumento progressivo da complementação da União, hoje fixada em 10%, para
40%. A progressividade se daria ano a ano com um aumento para 15% em
2021 e, depois, subindo 2,5% a cada ano. Até atingir, em 2031, os 40%
estipulados. O texto substitutivo também torna o Fundeb permanente, sem
prazo de validade.
Proposta de Dorinha tem mais chance de aprovação, diz vice-presidente de Comissão Especial
O deputado federal cearense Idilvan Alencar (PDT) é
vice-presidente da Comissão Especial que discute a PEC 15/2015, situada
na Câmara dos Deputados, de onde sairá um parecer acerca da proposta.
Hoje, ele aponta, o texto da deputada demista corre com mais força em
Brasília, por já abarcar itens das propostas que tramitam no Senado
Federal.
Além da elevação do repasse federal, o texto estipula
que 70% dos recursos do Fundeb serão destinados ao pagamento de
professores da educação básica em exercício, o que
representa um aumento de 10% em relação aos atuais 60%.
O substitutivo também versa sobre os royalties da exploração de
petróleo e gás natural. A ideia de Dorinha é que 75% destes recursos
sejam aplicados na educação pública, responsabilidade que recairia sobre
a União, estados e municípios.
O calendário de discussões nos parlamentos federais
também é relevante. Como o Fundeb é baseado num conjunto de impostos
estaduais e municipais, o texto antevê as eventuais mudanças e defende
que, apesar delas, os recursos não poderão ser reduzidos.
O calendário de discussões torna ainda mais relevante
na proposta o fato de o Fundeb ter relação com a estrutura de impostos
de estados e municípios. É que uma reforma tributária está em fase de
discussão, tanto na Câmara como no Senado, e o texto apresentado anteviu
eventuais mudanças no sistema, estipulando que, independente de
qualquer mudança sugerida, recursos para a educação não poderão ser
reduzidos.
"Já se tem um consenso em torno da proposta da Dorinha.
Entre a Câmara e o Senado, sim. A questão é o Ministério da Educação,
que não entende a importância disso. A ideia é que vá uma proposta
única", resume o pedetista.
Na verdade, no total, há cinco propostas de reforma
tributária sendo discutidas atualmente em Brasília, sendo muito possível
que os resultados de um novo sistema tributário resvalem no fundo.
Pensando nisso, a relatora demista propõe que as futuras mudanças passem
ao largo do programa. O POVO tentou contato com a parlamentar durante
toda a semana por meio do gabinete. Na última quinta-feira, a equipe da
política informou que ela não poderia conceder entrevista nem enviar
áudio em função da agenda apertada.
Sem se aprofundar sobre as propostas postas, o
vice-líder do PSL na Câmara dos Deputados, Heitor Freire, ressaltou a
necessidade de se agir com cautela, afirmando ter certeza de que os
poderes Legislativo e Executivo encontrarão "a melhor forma". "O País
passa por uma série de mudanças sempre tendo em vista colocá-lo de volta
no caminho do desenvolvimento, e com a educação não é diferente",
disse.
Especialistas divergem sobre formato ideal
A professora da Escola de Políticas Públicas e
Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tássia Cruz avalia que os 15%
de aumento na complementação inicialmente propostos pelo Planalto
deixarão o País ainda mais aquém de civilizações da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como França, Alemanha ou
Dinamarca.
Ela concorda com o percentual de 40%
defendido por Dorinha: "ou seja, aumentos na complementação da União até
chegar a 40% em um sistema híbrido, como proposto, beneficiariam
principalmente as redes municipais mais pobres de estados como o Ceará,
sem prejuízo da rede estadual."
O sistema híbrido é a
junção do sistema atual, pautado no valor mínimo por aluno, e o novo
formato do Valor Aluno Ano Total (VAAT). Existem municípios localizados
em estados que recebem complementação, mas a cidade não precisaria.
Também o contrário: municípios situados em estados que não recebem, mas
precisariam. O VAAT, então, se propõe a corrigir esta imperfeição.
"Independente
de como essa mudança (da complementação ir diretamente para os
municípios, que está sendo proposta em diferentes versões para o novo
Fundeb) aconteça, ela é muito importante", salienta a pesquisadora, que
também é membro da entidade Dados para um Debate Democrático da Educação
(D³E).
Doutoranda em Educação pela Universidade de
São Paulo (USP), Sonia Maria Barbosa Dias destaca que o aumento da
participação federal em 15% representaria, sim, um ganho - já que
corresponde a 50% do que é repassado hoje, 10%. No ano passado, para
lembrar, o valor federal foi de R$ 13 bilhões. "O Fundeb tem sido, para
muitos municípios, fonte de bastante recursos. Se tiver mais, os
municípios poderão fazer mais obras, seja na estrutura, na condição de
trabalho", também considera Maria. (CH)
ENTENDA O FUNDEB
COMO SURGIU O FUNDEB?
O Fundeb passou a vigorar em 2007, depois de terminado o
tempo de duração do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), este de 1998 a
2006.
COMO FUNCIONA?
São 27 fundos que formam o Fundeb (26 estados e 1 Distrito Federal). Fundeb é constituído a partir de uma cesta de impostos:
- Fundo de Participação dos Estados (FPE),
- Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
- Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp)
- Desoneração das Exportações (LC nº 87/96)
- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD)
- Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)
- Cota parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios.
CONTRIBUIÇÃO FEDERAL
A participação da União vem com 10% da arrecadação
oriunda dos impostos (acima citados) de todos os estados do País. Essa
porcentagem é um dos pontos de discussão, já que a ideia da relatora
Dorinha é de elevar gradativamente a contribuição, até atingir 40%. O
Governo Federal, por sua vez, quer 15%, também num aumento progressivo,
de ano a ano. Hoje, o repasse consiste em R$ 13 bilhões anuais.
QUE ESTADOS RECEBEM REPASSES FEDERAIS?
Amazônia, Alagoas, Ceará, Bahia, Pará, Pernambuco,
Paraíba, Piauí e Maranhão.A distribuição é feita a partir de No mínimo
60% dos valores do Fundeb devem ser direcionados ao salário de
professores da rede pública. Este dinheiro pode ainda ser utilizado no
pagamento de diretores, orientadores pedagógicos, funcionários, formação
continuada dos professores, transporte escolar, compra de equipamentos,
material didático, construção e manutenção de escolas.
NOVA FORMA DE DISTRIBUIÇÃO:
A proposta de Dorinha (DEM-TO) é por nova forma de
distribuição. Isso por existirem municípios ricos em estados pobres e
municípios pobres em estados ricos. A demista tem a proposta mais
avançada, já que engloba, em partes, outras duas propostas: PEC 65/2019 e
PEC 33/2019, do Senado Federal.
O QUE É PARA ACONTECER:
No mínimo 60% dos valores do Fundeb devem ser
direcionados ao salário de professores da rede pública. Este dinheiro
pode ainda ser utilizado no pagamento de diretores, orientadores
pedagógicos, funcionários, formação continuada dos professores,
transporte escolar, compra de equipamentos, material didático,
construção e manutenção de escolas.
O QUE NÃO É PARA ACONTECER:
Usar dinheiro que serviria para uma reforma numa escola
ser utilizado no pagamento de um professore que está trabalhando no
gabinete do prefeito, por exemplo.
O Povo