Agenda internacional dos governadores do Nordeste consolida consórcio criado para potencializar negócios da região. Na prática, segundo especialistas, bloco funciona como contraponto político a Bolsonaro e pode ter efeitos inclusive sobre 2020
Recém-chegado ao Palácio do Planalto, o
presidente Jair Bolsonaro, então no PSL, declarou em entrevista no dia 3
de janeiro: "Eu não sou o presidente deles". Eleito com 57 milhões de
votos, o novo chefe do Executivo se referia aos governadores do
Nordeste, que não haviam comparecido à sua posse. Na região, o
ex-capitão do Exército não logrou vitória.
Dois meses depois, Ceará, Bahia, Pernambuco e os outros
seis estados nordestinos assinavam a ata de criação de um bloco: o
Consórcio do Nordeste. O local escolhido para a cerimônia foi o Palácio
dos Leões, sede administrativa do governo do Maranhão, a cargo de Flávio
Dino (PCdoB) - a quem Bolsonaro chamaria de "paraíba", num dos
episódios de maior desgaste entre o presidente e os governadores.
Na teoria, o consórcio tinha propósito unicamente
administrativo, de modo a facilitar compras, criar uma alíquota comum e
viabilizar o diálogo com o poder central, que teria de negociar com os
representantes dos estados em conjunto, e não individualmente. Na
prática, porém, era também um contraponto a Bolsonaro.
"O consórcio serviu para cristalizar uma resistência do
governo federal com a região. Todos os gestores estavam no bloco de
oposição ao Bolsonaro", avalia o cientista político Emanuel Freitas, da
Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Segundo ele, "é raro ter governadores de oposição ao
presidente" agrupados assim, partilhando laços políticos e econômicos. O
normal, prossegue, "é que estejam com o pires na mão", à espera de que
recursos federais sejam repassados, sobretudo em tempos de crise
financeira.
Exatamente por isso, acrescenta Freitas, o "grupo dos
nove" se consolidou como "um flanco de resistência", mas também de busca
de alternativas de investimento, como aconteceu agora, com a viagem dos
gestores a países da Europa (leia entrevista com o governador da Bahia,
Rui Costa, na página seguinte) na última semana - a maratona se
encerrou na sexta-feira, 22.
Efeito Bolsonaro
Para o professor de Ciência Política da Faculdade
Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, a beligerância inicial de
Bolsonaro com o Nordeste foi a liga fundamental para a aliança dos
governadores.
"Há uma rejeição muito grande ao Bolsonaro na região
Nordeste", analisa, "e isso acabou aumentando depois do período
eleitoral pela forma como o próprio presidente se expressou em relação
aos nordestinos e, de certa maneira, aos governadores".
O docente explica que o consórcio, se tinha foco mais
pragmático no começo, acabou por resultar numa parceria de contornos
inéditos no Brasil, visto que a união de governadores ia além de
querelas ideológicas, ampliando a capacidade de atuação de cada ente
federativo e potencializando seus gastos com saúde, segurança e
educação.
"Desde Fernando Henrique, muitos governadores costumam
fazer viagens internacionais e vão individualmente a outros países na
busca de parcerias e investimentos", explica Prando. "Agora, um
consórcio assim me parece algo inédito no Brasil."
De acordo com o especialista, o ineditismo reside tanto
no alcance, envolvendo todos os gestores, quanto na carteira do grupo,
que anunciou neste mês sua primeira compra coletiva: uma licitação na
área de saúde que gerou economia de R$ 50 milhões para a região.
Membro do Conselho de Leitores do O POVO, professor e
cientista político da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte
afirma que o consórcio "tenta tapar o buraco deixado pelo governo
federal", cujos investimentos na região teriam minguado desde que
Bolsonaro assumiu a Presidência.
"O Nordeste era a área que mais crescia no País. É
também onde temos estados com condições fiscais melhores", analisa
Monte. "Ceará, Bahia, Pernambuco, Maranhão, todos têm uma condição
fiscal muito boa. Se fossem nove estados endividados, não haveria
consórcio."
Além disso, defende o professor, "houve uma visão de
que, numa situação de crise política e isolamento, a criação do bloco
seria uma resposta eficaz" ao Planalto, que poderia estancar recursos,
prejudicando os estados.
"Alinhamento ideológico já houve no Nordeste, por
exemplo, na época do FHC, quando quase todos os governadores eram do
PSDB ou do PFL, e na época do Lula também", ressalta. "Mas não tenho
notícia de uma junção como esta que temos, para fazer um contraponto".
o Povo
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