A chegada da quadra chuvosa ameaça a
segurança de quem mora próximo ao Canal do Lagamar, na Aerolândia. Na
rua Tenente Jaime Andrade, ano após ano, as casas são inundadas, levando
os poucos pertences dos moradores, espalhando doenças, impedindo
deslocamentos, colocando, sobretudo, crianças e idosos em risco.
"Descaso e abandono", resume Antônio Oliveira de
Freitas, que convive há 56 anos com a situação. "Eu já saí de casa para
trabalhar 3 horas da madrugada com água no pescoço. Tem que andar até a
avenida (Raul Barbosa) para poder sair da água e conseguir se deslocar
direito. Essa é a pior rua para se morar e ninguém nunca fala nada com a
gente sobre mudança", descreve.
O POVO esteve em pontos conhecidos de
alagamento em Fortaleza, horas após a chuva de 38 milímetros que banhou a
Capital na última quinta-feira, 2. Na Aldeota, no Conjunto Palmeiras e
na Aerolândia, as reclamações são diversas - as promessas não cumpridas
pelo poder público, a poluição e o descarte incorreto de lixo pela
população.
"Qualquer chuvinha, alaga tudo", dispara alguém que
passava. "A Jaime Andrade é aqui mesmo, a diferença é que agora ela está
seca", brincou outra moradora que não quis se identificar. Esposa de
seu Antônio, Tânia Maria Marques, de 60 anos, já enfrentou seu pior
pesadelo em frente à própria casa. Em uma chuva forte, ela escorregou e
caiu em um buraco na rua. "Fiquei boiando e quase me afoguei, foi
horrível", conta.
Em nota, a Secretaria Municipal de Infraestrutura
(Seinf), afirmou que os alagamentos constantes na rua e na região da
Aerolândia acontecem por conta da geografia do local. "A via está
situada numa área mais baixa, fazendo com que a água da chuva acumule
por mais tempo na pista", diz o texto.
Diante disso, a tensão enfrentada no início de cada ano
continua. "Se a gente não tiver comprado comida, fica com fome, porque
não tem como sair de casa para comprar e nem pedir nada. É dormir com
fome e não poder nem descer para o andar de baixo da minha casa. Uma vez
fiquei três dias sem comer nada no andar de cima", desabafa Tânia
Maria. A residência tem um andar superior que acaba funcionando como
refúgio nos dias de chuva. Apesar de terem realizado o sonho da casa
própria, os problemas são muitos: "É uma casa própria, mas em área de
risco, né?".
No Conjunto Palmeiras, a comunidade que vive às margens
do rio Cocó sofre com as inundações mesmo depois da inauguração de uma
barragem em 2017, que custou R$ 105 milhões a fim de conter o excedente
de água na quadra chuvosa. O reservatório sangrou no ano passado,
destruindo boa parte das casas ao redor.
Sentado na beira da calçada, onde gosta de observar o
movimento, Flávio Alves Rodrigues, 72, conta histórias de uma época em
que já perdeu todos os móveis e até um carro para as enchentes, quando
ainda não existia a barragem. E lamenta que a obra não tenha sido
suficiente para conter as cheias que atingem a avenida Valparaíso ou da
"avenida do Alagamento", como ele batizou.
A expectativa da Prefeitura é que o desassoreamento do
rio Cocó, que está em curso, beneficie os moradores da Aerolândia, além
do Conjunto Palmeiras e Jangurussu. Cerca de 1.500 famílias destas
áreas, de acordo com a Coordenadoria Especial de Articulação das
Regionais, foram afetadas com as chuvas e ficaram desabrigadas em 2019,
recebendo auxílio emergencial financeiro.
Bruno Rebouças, diretor de operações da Companhia de
Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), destaca o auxílio da barragem
construída no Cocó, mas admite que ela não é suficiente, nos moldes
atuais, para conter enchentes em dias de chuva intensa e concentrada. "A
barragem não foi construída para zerar cheias. Ela apenas contém. Mas
quando se junta grandes chuvas, com ocupações irregulares e também a
maré alta, são conjunturas que não tem como prevenir", pondera.
"Este ano, não vai acontecer a mesma tragédia do ano
passado", diz Renato Lima, coordenador das regionais de Fortaleza e do
Comitê da Quadra Chuvosa. Ele garante que a barragem do Cocó estará sob
constante monitoramento do poder público para que não transborde.
"Estamos preparando um plano de contingência caso seja necessário
colocá-lo uso. Vamos ter lonas, colchões, cestas-básicas e outros
produtos para famílias que venham a ser afetadas", adianta.
O POVO