Os textos da reforma tributária, que estão
no centro da discussão e tramitam na Câmara (PEC 45/19) e no Senado (PEC
110/19), têm sido alvos de críticas e pressões setoriais. Conforme O POVO
apurou, empresários dos setores de comércio e serviços temem que a
carga tributária de cerca de 8% passe para até 27%. Para eles, ambas as
propostas favorecem grandes indústrias.
Apesar da queixa, necessidade de uma reconfiguração dos
tributos já é consenso entre os setores da economia e sociedade, que
esperam sentir a redução do custo burocrático no preço final dos
produtos. Mas essa questão e a articulação no Congresso estão entre os
impasses que dificultam que a reforma saia do papel.
Segundo o professor de Direito Tributário da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Edmundo Emerson de Medeiros, os
dois textos conseguem simplificar o sistema atual de tributação. "Não há
dúvidas sobre isso. Para que não aumentem a carga tributária de nenhum
setor, no entanto, elas precisarão de ajustes. A principal queixa dos
empresários e políticos contrários decorre da pretensão de unificação de
alíquotas de tributos como o ISS e o ICMS".
Edmundo exemplifica que uma atividade de prestação de
serviços paga cerca de 5% de imposto sobre serviços de qualquer natureza
(ISS) mais 3,65% de Programas de Integração Social (PIS) e Contribuição
para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Essa atividade não
paga imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS) e Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI). Com a unificação de alíquotas, o
aumento poderia ser de 8,65% para 27%.
No entanto, pondera que os efeitos não seriam tão
negativos. "Não acredito que alguma proposta que provoque esse impacto
sobre setores como o de serviço logre aprovação, de forma que os ajustes
serão inevitáveis", afirma. Outro ponto questionado é a ausência de um
regime tributário diferenciado. Condição que faria com que estados do
Nordeste perdessem a competitividade e atração de investimentos ante
outras regiões do Sul e Sudeste do País.
Na prática, as duas PECs têm foco na simplificação e
racionalização dos tributos sobre a produção e a comercialização de bens
e a prestação de serviços. Para isso, as propostas preveem a eliminação
de cinco (PEC 45) e nove tributos (PEC 110). Atualmente, esses impostos
são compartilhados pela União, estados, municípios e Distrito Federal.
Um dos tópicos mais divergentes é a concessão dos benefícios fiscais,
que está prevista em um texto, com ressalvas para áreas consideradas
prioritárias, mas não no outro.
Emilio Moraes, líder da Comissão de Estudos e Impactos
da Reforma Tributária da Federação das Indústrias do Estado do Ceará
(Fiec), diz que há muita insegurança jurídica. Isso porque algumas
medidas precisariam de uma lei complementar para serem efetivadas. Além
disso, as empresas teriam tributação muito alta com o modelo do Imposto
sobre Bens e Serviços (IBS) - ou seja, a troca de cinco tributos por um.
Nesse contexto, não há uma definição sobre qual alíquota seria
estipulada, mas apenas uma estimativa próxima a 25%.
Ele explana que, sem os incentivos, os negócios
deixariam de vir ao Ceará. "Vai gerar uma dificuldade muito grande para
as empresas se manterem aqui. O Estado tem 3% da indústria e somente São
Paulo tem 32%. Existe um fator de compensação nesse caso", diz,
acrescentando que as empresas do Nordeste a maioria tem o que chamado
Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará (FDI), que é uma forma de
incentivo.
"Elas perderiam isso num período de 10 anos. Não é só a
questão de imposto, é social. Quando o Ceará começou a se
industrializar, muitas pessoas retornaram do Rio de Janeiro e São Paulo
porque agora havia emprego", avalia. O presidente da Federação das
Câmaras de Dirigentes Lojistas do Ceará (FCDL), Freitas Cordeiro, frisa a
importância da reforma, mas diz que ainda há muita necessidade de
ajustes para setores e regionalização.
"O tema é complicado. Os estados estão precisando de
dinheiro e as empresas exauridas. É uma equação de difícil solução...Mas
não podemos abstrair os incentivos porque gera um desequilíbrio. Como
darei paridade ao Nordeste com o Sudeste do Brasil? Não se pode ter um
tratamento igualitário', questiona. Fredy Albuquerque, membro da
Comissão de Direito Tributário, conselheiro do Contencioso
Administrativo Tributário da Secretaria da Fazenda (Conat) e de Defesa
do Contribuinte do Ceará (Condecon), também critica os dois textos e diz
que, além de perder a captação de investidores, outra desvantagem das
reformas proposta é a perda da autonomia dos estados e cidades.
"O setor de serviços é o mais prejudicado. Nesse
modelo, todo mundo vai ter o direito a crédito e débito", acrescenta,
lembrando que na prestação o segmento atua na prestação do serviço e não
na compra de mercadorias.
Entenda o que muda para o empresariado com as PECs
Ambas têm foco na alteração do Sistema Tributário
Nacional, sob a justificativa de de simplificar e a racionalizar a
tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de
serviços. Base tributável atualmente compartilhada pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Por esta razão, os pontos propõem a
extinção de uma série de tributos, consolidando as bases tributáveis em
dois novos impostos:
Um é o imposto sobre bens e serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado cobrados na maioria dos países desenvolvidos.
É um imposto específico sobre alguns bens e serviços (Imposto Seletivo), assemelhado aos excise taxe (Imposto especial de consumo nos Estados Unidos é um imposto indireto sobre os itens listados).
Sobre o imposto sobre bens e serviço
A base de incidência do IBS das duas propostas é
semelhante: todos os bens e serviços, incluindo a exploração de bens e
direitos, tangíveis e intangíveis, e a locação de bens, operações que,
em regra, três escapam da tributação do ICMS estadual e do ISS municipal
no quadro normativo atualmente em vigor.
As propostas, por outro lado, trazem diferenças significativas em relação à competência tributária do IBS. Veja quais as diferenças:
PEC 110 ( PEC nº 110/2019, do Senado Federal)
Neste caso, a competência será do tributo estadual,
instituído por intermédio do Congresso Nacional, com poder de iniciativa
reservado, basicamente, a representantes dos Estados e Municípios
(exceto por uma comissão mista de Senadores e Deputados Federais criada
especificamente para esse fim ou por bancada estadual).
Um total de nove tributos serão são substituídos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS.
Alíquota padrão
A lei complementar fixa as alíquotas do imposto, havendo uma alíquota padrão; poderão ser fixadas alíquotas diferenciadas em relação à padrão para determinados bens ou serviços; portanto, a alíquota pode diferir, dependendo do bem ou serviço, mas é aplicada de maneira uniforme em todo o território nacional.
A lei complementar fixa as alíquotas do imposto, havendo uma alíquota padrão; poderão ser fixadas alíquotas diferenciadas em relação à padrão para determinados bens ou serviços; portanto, a alíquota pode diferir, dependendo do bem ou serviço, mas é aplicada de maneira uniforme em todo o território nacional.
Concessão de benefícios fiscais
Neste texto, a concessão de benefícios fiscais (por lei complementar) é prevista nas operações com alimentos, inclusive os destinados ao consumo animal; medicamentos; transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano; bens do ativo imobilizado; saneamento básico; e educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação profissional.
Transição do sistema de cobrança dos tributos (1 a 5 anos)
Durante um ano é cobrada uma contribuição “teste” de 1%, com a mesma base de incidência do IBS, e, depois, a transição dura cinco anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos tributos à razão de um quinto ao ano (os entes federativos não podem alterar as alíquotas dos tributos a serem substituídos.
Imposto Seletivo
Será cobrado um imposto sobre operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, da Constituição Federal, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos
PEC 45 (PEC nº 45/2019, da Câmara dos Deputados)
Nesta, do tributo federal (embora esteja previsto em um
novo art. 152-A, e não no art. 153, da Constituição Federal,
dispositivo que prevê os impostos federais), instituído por meio de lei
complementar federal (exceto em relação à fixação da parcela das
alíquotas destinadas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, a ser definida por lei ordinária de cada ente federativo).
Cinco tributos serão substituídos: IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS.
Alíquota diferente para cada estado
Já na Pec 45, cada ente federativo fixa uma parcela da
alíquota total do imposto por meio de lei ordinária, federal, estadual,
distrital ou municipal (uma espécie de “sub-alíquota”); uma vez fixado o
conjunto das “sub-alíquotas” federal, estadual e municipal (ou
distrital), forma-se a alíquota única aplicável a todos os bens e
serviços consumidos em ou destinados a cada um dos Municípios/Estados
brasileiros; é criada a figura da “alíquota de referência”, assim
entendida aquela que, aplicada sobre a base de cálculo do IBS, substitui
a arrecadação dos tributos federais (IPI, PIS, Cofins) excluída a
arrecadação do novo Imposto Seletivo, do ICMS estadual e do ISS
municipal; assim, todos os bens e serviços destinados a determinado
Município/Estado são taxados por uma mesma alíquota, mas a tributação
não é uniforme em todo território nacional, pois cada Município/Estado
pode fixar sua alíquota.
Sem benefícios fiscais
Aqui não há concessão. No entanto, ambos os textos preveem a possibilidade de devolução do imposto recolhido para contribuintes de baixa renda, nos termos de lei complementar.
Transição do sistema de cobrança dos tributos (2 a 8 anos)
Durante dois anos é cobrada uma contribuição “teste” de 1%, com a mesma base de incidência do IBS, e, depois, a transição dura oito anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos tributos à razão de um oitavo ao ano (os entes federativos podem alterar as alíquotas dos tributos a serem substituídos).
Indefinição do imposto seletivo
O impostos de índole extrafiscal, cobrados sobre determinados bens, serviços ou direitos com o objetivo de desestimular o consumo. Não são listados sobre quais produtos ou serviços o tributo irá incidir. Caberá à lei (ordinária) ou medida provisória instituidora definir os bens, serviços ou direitos tributados.
Fonte: Câmara dos Deputados
Entenda o imbróglio
Empresariados de todo o País se posicionaram
contra a reforma e a favor do retorno da CPMF. Quem encabeça o movimento
é o ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e o empresário
Flavio Rocha, da Riachuelo. O presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou os empresários. A expectativa é que o
assunto comece a elaborar um projeto único neste mês.
Estudo
A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) do
Ceará realizou um estudo em que mostra que esses textos discutidos podem
impactar negativamente na competitividade do Estado, com possíveis
perdas de incentivos fiscais às grandes empresas.o Povo