Governo leiloará casas de traficantes – incluindo uma de vizinho de Neymar
fevereiro 02, 2020
Dois apartamentos de luxo, avaliados em cerca de 7 milhões de reais cada, em um condomínio de alto padrão em Itapema (SC), no mesmo prédio do craque Neymar. Três imóveis na Ilha do Governador (RJ) e um na Praia do Morro, em Guarapari (ES). Um apartamento de um andar inteiro na orla da Barra da Tijuca, no Rio, e coberturas e terrenos em Búzios, Ipanema e no Alto Leblon. Em comum, todos os imóveis têm um perfil muito específico de proprietário: traficantes de drogas. O inventário dos bens, a que VEJA teve acesso, faz parte de uma lista de pertences que a justiça confiscou e que o governo pretende levar a leilão ainda este ano.
Os dois imóveis no litoral catarinense – um luxuosamente mobiliado e que será leiloado com tudo dentro, até os talheres – foram tomados do barão do tráfico Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca. O narcotraficante já foi considerado o maior do Brasil, com movimentação financeira estimada em 1,2 bilhão de reais em duas décadas de atividades criminosas. Era o principal fornecedor de entorpecentes das duas maiores facções criminosas do país e foi preso em julho de 2017 na cidade de Sorriso (MT).
Cabeça Branca tinha como um dos principais clientes o Comando Vermelho, liderado pelo notório Fernandinho Beira-Mar. Preso desde 2001, Beira-Mar é dono dos imóveis na Ilha do Governador e em Guarapari que agora irão para o prego. Cabeça Branca também é o ponto de ligação com o conjunto de apartamentos de alto padrão na Barra da Tijuca, no Leblon e em Ipanema. Os imóveis pertenciam ao empresário e traficante português Antonio dos Santos Damaso, conhecido como Português, acusado de chefiar uma quadrilha internacional de narcotraficantes com elos no Rio de Janeiro e em Goiás.
Por ordem do ministro da Justiça, Sergio Moro, os imóveis farão parte da primeira leva do patrimônio de criminosos e investigados com relação com o tráfico que serão vendidos. Em um segundo momento, o governo quer leiloar os demais bens de alto valor, como 130 aeronaves e 168 embarcações. A ideia é também desovar mais de 18.000 veículos, muitos deles esquecidos há tantos anos nos pátios das polícias que já viraram sucata.
Desde outubro, qualquer bem de valor econômico apreendido ou confiscado em processos relacionados ao tráfico de drogas, mesmo contra os quais ainda caiba recurso judicial, deve virar recursos para o Fundo Nacional Antidrogas (Funad). Antes da lei de outubro, o bem era confiscado, mas, via de regra, só era vendido após o trânsito em julgado do processo. A avaliação de técnicos do governo é a de que juízes tinham receio de leiloar bens de processados por tráfico e depois não terem valores a ressarcir em caso de uma eventual absolvição.
À exceção dos imóveis e de bens de alto valor, como aeronaves, o governo enfrenta um entrave crucial para a venda do patrimônio de traficantes. Mesmo que as autoridades saibam que o bem existe – por lei o juiz deve informar cada pertence alvo de busca e apreensão em processos relacionados ao tráfico – em muitos casos as autoridades não sabem ao certo em que pátio ou sob responsabilidade de que polícia estão armazenados os pertences relacionados ao tráfico.
“O juiz deveria saber o destino do bem, mas o que acaba acontecendo é que o Poder Judiciário não tem de modo organizado a informação e o controle desses bens. No início do ano passado do ano oficiamos os tribunais sobre os bens, e os tribunais dizem que não sabem quais são os bens”, disse a VEJA o diretor de Gestão de Ativos do Ministério da Justiça, Igor Montezuma.
Sucata – Para além de aeronaves, barcos e apartamentos de luxo, no inventário de bens confiscados de traficantes há toda espécie de quinquilharia. VEJA identificou fichas com registros como “três arcos, três bestas e 21 flechas”, “15 pipas”, “duas colheres de café de metal branco”, “bomba de aquário”, “oito pranchas de alisamento de cabelo” e diversos carros que são verdadeiras sucatas, como um Chevette cinza ano 1981 e um Fusca branco 1976.
“Os bens ficavam congelados esperando e quando íamos vender já não eram nada, só sucata. O dinheiro era perdido, e o bem ainda gerava custo para a administração”, afirma Montezuma. Em 2018, por exemplo, o estado de São Paulo gastou 17 milhões de reais na manutenção dos pátios da polícia civil. O Paraná, 4 milhões de reais, sendo que apenas a delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, 1 milhão de reais em manutenção do pátio onde são abrigados bens de traficantes.