A vida tratou de se refazer depois da
angústia. Um ano depois de saber que o filho Cauan Emanuel Gomes Nunes
sobreviveu ao incêndio que destruiu o alojamento do Flamengo, no Rio de
Janeiro, e ceifou as vidas de dez adolescentes entre 14 e 16 anos, Jonh
Emanuel, 38, se reconstrói como pode. Desde o início de janeiro, se
juntou à mãe, Vera Lúcia, 63, e à irmã Thalita, 22, largou o emprego de
porteiro em Fortaleza, alugou apartamento em Jacarepaguá (RJ), e tenta
organizar o lar para o filho, meia das categorias de base do
Rubro-Negro.
"Ele nunca pensou em desistir, mas a gente veio para
reforçar, para ser apoio. Ele achou muito legal estar com a família
perto dele e se sentiu mais abraçado. Nós também", resume o pai, que
ainda não encontrou emprego na capital fluminense. Com a família no Rio,
Cauan não precisará, ao retornar a rotina de treinos, próximo dia 17,
morar em alojamento do clube.
Serão tempos, a partir de agora, de estar com os dele,
após três anos vivendo no Rio. O menino, como relembra o pai, era desses
muitos que, se deixasse, entrava a noite com a bola nos pés. Da
escolinha no Ferroviário até a aprovação no Flamengo foi rápido. O
talento soprava para o futuro. Tudo quase acabou um ano atrás.
"Para mim, foi um baque. Eu estava de plantão na noite
anterior, sempre gostava de ligar a TV para poder ver a notícia no
trabalho, de manhã cedo. Mas nesse dia eu não liguei. Aí eu vim saber em
casa, foi um choque muito grande. Eu vi aquela tragédia e qual o pai ou
mãe e não se vê aperreado naquela situação. Foi muito difícil, mas,
graças a Deus, meu filho teve esse livramento grande", narra, por
telefone.
Cauan foi um dos três sobreviventes que saíram do
alojamento com ferimentos — além da fumaça inalada, ele teve queimaduras
na mãos. Em março, cerca de 50 dias depois da tragédia, ele voltou aos
campos. Pelo sub-15 do Flamengo, o meia estreou com dois gols contra o
Bangu. "Foi uma partida muito emocionante para mim por poder voltar a
fazer o que eu gosto: treinar, jogar e competir por um time glorioso
como o Flamengo. Estou feliz de voltar e cumprir minhas atividades",
disse o garoto, apelidado como Fortaleza, em entrevista concedida à
FlaTV.
Desta vez, solicitado por meio de assessoria, o
Flamengo não permitiu que o atleta concedesse entrevista. Nem ele, nem
Dyogo Bento Alves. O goleiro também é cearense e também saiu ferido do
incêndio. Ao O POVO, o pai, Francisco José, disse preferir não dar
entrevista, e informou apenas que o filho voltou ao Rio no último dia
1º.
O terceiro sobrevivente ferido, Jonathas Ventura,
conforme entrevista com Rodrigo Abranches, vice-presidente geral e
jurídico do Flamengo, publicada no blog do jornalista Mauro Cezar
Pereira,"está treinando na academia e provavelmente começará os
treinamentos no campo no próximo mês". Dos outros 11 garotos que estavam
nos contâineres que serviam de alojamentos e que saíram sem ferimentos,
cinco foram dispensados pelo clube em janeiro.
Atualmente, o Flamengo tem acordo judiciais, com
valores não revelados, com familiares dos adolescentes mortos Vitor
Isaías, 15, Athila Paixão, 14, Gedson Santos, 14 , e com o pai de
Rykelmo de Souza Vianna, 16 (a mãe ainda recorre à Justiça por
indenização). As famílias de Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas,
14, Bernardo Pisetta, 14, Christian Esmério, 15, Jorge Eduardo Santos,
15, Pablo Henrique da Silva Matos, 14 e Samuel Thomas Rosa, 15, ainda
aguardam desfechos.
Em vídeo intitulado "Esclarecimentos", o Flamengo
divulgou esta semana entrevista institucional com o presidente do clube,
Rodolfo Landim, o CEO, Reinaldo Belotti, além de Abranches. A
agremiação rebate críticas sobre as indenizações, reitera o entendimento
de que se tratou de um "acidente", fala sobre o apoio prestado às
vítimas, e aponta que, no último ano, fez as adequações de alvarás e
certificações necessárias.
Diante do questionamento se a tragédia havia sido
superada, o presidente indicou as cicatrizes. "Essa foi a maior tragédia
da história do Flamengo, a gente vai conviver com isso durante muito
tempo, na nossa memória. Acho que todos aqueles que trabalham no Ninho
(...) e até os torcedores do Flamengo também, certamente, por mais que
isso vá com tempo sendo curado, vão ficar as cicatrizes". Na noite de
hoje, enfrentando o Madureira, pelo Campeonato Carioca, o Fla, que
evitou o assunto espinhoso e dolorido ao longo de todo ano, deve, pela
efeméride, preparar ações para enaltecer as memórias das vítimas. Os
torcedores fizeram ontem memorial em frente ao estádio Maracanã e
costumam cantar em homenagem aos meninos do Ninho do Urubu.
o Povo
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