Em entrevista exclusiva ao O POVO neste sábado, 28, após reunião com autoridades de saúde do Ceará, o governador Camilo Santana (PT) falou que as decisões que serão tomadas no Estado “levarão em conta aspectos econômicos”, “mas, em primeiro lugar, será considerada a saúde das pessoas”.
Questionado se deve renovar o decreto de quarentena
que suspendeu as atividades do comércio e o transporte intermunicipal, o
chefe do Executivo respondeu: “Não podemos aumentar o risco da nossa
população. Ela precisa ser protegida. E disso não abrirei mão. Se tiver
que errar, que seja pelo excesso e não pela omissão”.
De ontem para hoje, Camilo teve encontros virtuais com
representantes do setor produtivo, que pressionam o governador a
autorizar a retomada dos trabalhos a partir desta segunda-feira, 30.
Nessa sexta-feira, o presidente da República Jair Bolsonaro afirmou que
eventual responsabilidade por danos financeiros seria dos gestores
estaduais.
O governador deve decidir amanhã se prorroga ou não a
validade do documento que determinou isolamento e suspensão temporária
por dez dias, publicado no dia 20/3. O prazo expira na segunda.
Sobre a postura de Bolsonaro diante das ações de
combate ao novo coronavírus no País, o petista declarou: “Eu diria que
tem havido graves equívocos na condução dessa crise. Defendo uma
coordenação nacional das ações por parte do Governo Federal. Na ausência
disso, cada estado age de forma diferente e toma medidas diferentes
tentando proteger a população do seu estado”.
Apenas no Ceará, já são 282 casos confirmados da
infecção. Três pessoas morreram. O estado tem o maior número de
contágios do Nordeste e o terceiro do Brasil.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com o governador Camilo Santana
O POVO - Como avalia o conjunto de medidas tomadas até agora no estado do Ceará contra o coronavírus?
Camilo Santana – Um mês antes de
qualquer caso confirmado do Ceará, já havia um plano de contingência
feito pelo nosso secretário dr. Cabeto e sua equipe. Também autorizei
imediatamente recursos para a compra de equipamentos, testes de
diagnóstico e insumos médicos (R$ 245 milhões até aqui), a abertura
imediata de um novo hospital com 230 leitos exclusivamente para
pacientes com coronavírus, além de mais 150 leitos extras anexados a
três hospitais, e a preparação de alas exclusivas para receber esses
pacientes em outras unidades do estado, inclusive nos hospitais
regionais. Além de todas essas medidas, o Ceará foi um dos primeiros
estados a sair com decreto que visava a menor circulação de pessoas nas
ruas, para evitar uma proliferação rápida e em massa do vírus, o que
poderia colapsar o sistema de saúde já nos primeiros dias. Solicitamos
também o cancelamento de voos internacionais no Ceará e a permissão para
nossas equipes atuarem na chegada de passageiros, já que essa decisão
depende do Governo Federal. Foram muitas medidas, e outras continuam
sendo adotadas dia a dia para tentarmos conter, ao máximo, o avanço mais
rápido do coronavírus e proteger nossa população.
OP – Por que há grande número de casos da infecção no estado, que adotou precauções contra a pandemia desde o começo?
Camilo – Os próprios especialistas
apontam dois fatores. O primeiro, que o Ceará tomou a decisão de fazer o
máximo de testes possíveis. E quanto mais se testa, mais você detecta.
Isso é fundamental para podermos agir de forma rápida e estratégica. Não
sei como outros estados estão fazendo. Determinei logo a compra de 20
mil kits de diagnóstico, e outros 350 mil testes rápidos também estão
sendo adquiridos. E o segundo fator que atribuo é o fato do Ceará ter se
tornado o maior ponto de conexões aéreas do Nordeste. São dezenas de
voos, muito importantes para a economia de qualquer estado mas que,
neste momento, foram um complicador. Como foi em São Paulo, Rio de
Janeiro e Distrito Federal, que lideram os casos. Por isso, a
importância do maior controle nos aeroportos logo no começo, papel que
caberia à Anac e Anvisa, do Governo Federal.
OP – O Governo Federal derrubou na
justiça a barreira sanitária no aeroporto. A gestão Bolsonaro tem
atrapalhado no combate ao vírus?
Camilo – Eu diria que tem havido
graves equívocos na condução dessa crise. Defendo uma coordenação
nacional das ações por parte do Governo Federal, como há em muitos
países que enfrentam a pandemia. Na ausência disso, cada estado age de
forma diferente e toma medidas diferentes tentando proteger a população
do seu estado. Falta uma diretriz clara, considerando o que aponta a
Organização Mundial de Saúde como eficaz para conter a pandemia. Do
ponto de vista da economia, houve alguns anúncios importantes
recentemente e isso deverá ajudar muito. Mas não se pode dissociar as
coisas. É preciso, em primeiro lugar, atenuar esse crescimento
geométrico dos casos para não colapsar rapidamente o sistema de saúde.
Isso é urgente.
OP – Há uma pressão para voltar à normalidade. O senhor pretende renovar o decreto que determinou o fechamento do comércio?
Camilo – Converso diariamente com
nossos especialistas em saúde. Temos um respeitado secretário e uma
equipe muito competente que nos dão o real cenário da crise e as
projeções. Faço questão de acompanhar tudo para estar bem embasado na
tomada de decisões. Também tenho conversado com os representantes do
setor produtivo e ouvido suas demandas. É muito importante a manutenção
dos empregos e a geração de renda para as famílias. Tenho essa
preocupação, especialmente com os mais pobres, com os autônomos. Tanto
que isentei por 90 dias a conta da água de 338 mil famílias de baixa
renda do estado e suspendi a taxa de contingência da água de 221 mil
domicílios de Fortaleza e RMF. Também antecipei o pagamento do benefício
de quase 50 mil famílias carentes, que recebem uma ajuda do governo do
estado. E anunciarei novas medidas de ajuda a essa população em breve.
As decisões tomadas levarão em conta esses aspectos econômicos. Mas, em
primeiro lugar, será considerada a saúde das pessoas. Não podemos
aumentar o risco da nossa população. Ela precisa ser protegida. E disso
não abrirei mão. Se tiver que errar, que seja pelo excesso e não pela
omissão.
OP – Essa é a segunda crise de grandes
proporções que o Ceará enfrenta desde o início do ano. A primeira foi a
da segurança, para a qual o senhor deu uma resposta eficaz e rápida.
Como avalia esses dois momentos (motim da PM e quarentena sanitária)?
Houve algum aprendizado antes que esteja sendo útil agora?
Camilo – São situações muito
diferentes. Vivemos hoje uma crise mundial, que já contaminou e matou
milhares de pessoas e abalou a economia do planeta. Nações ricas estão
em colapso. Em comum nessas duas crises aqui no estado, diria que apenas
a determinação que tenho de enfrentar com todas as minhas forças para
proteger a população para que ela sofra menos. É o que mais penso neste
momento. Que pessoas consigam o atendimento quando precisarem. Por isso
precisamos achatar a curva de contaminação. Para evitar que muitos
fiquem doentes ao mesmo tempo e o sistema de saúde não consiga atender a
todos, como acontece em países ricos como a Itália e a Espanha. O
caminho ainda é longo para sairmos dessa crise, mas sei que vamos
vencer. Lutarei dia e noite por isso.
o Povo