Vizinha de um dos
maiores complexos de favelas de São Gonçalo, na região metropolitana do
Rio de Janeiro, a assistente social Rafaela Marron, de 38 anos, já
reparava a angústia de famílias que, bem perto da sua casa, não tinham
acesso ao básico de alimentação, higiene e saneamento. Quando o Brasil
confirmou os primeiros casos de coronavírus e as medidas de prevenção
passaram a ser divulgadas fortemente, o incômodo virou consciência de
que era preciso agir com urgência para que essas vulnerabilidades não
crescessem durante o combate à pandemia.
"O prognóstico de um município que já padece
de insegurança alimentar crônica seria muito pior", lembra Rafaela, que
dividia as preocupações com outras assistentes sociais. "A gente foi
ficando incomodada e falei: gente, vamos perguntar às pessoas que a
gente conhece e ver o que conseguimos fazer para algumas famílias mais
próximas a nós."
Ao lado de mais três assistentes sociais,
Rafaela começou o trabalho de coletar doações e cadastrar famílias em
situação de vulnerabilidade no dia 22 de março. A preocupação do grupo
encontrou uma onda de solidariedade que transformou rapidamente a
pequena ação de voluntariado no Comitê Popular de Crise de São Gonçalo,
que já entregou cestas básicas a 120 famílias da cidade. O grupo já
cadastrou 250 famílias para receber os mantimentos e tem dado
prioridade ao auxílio àquelas que são chefiadas por mulheres que
dependem da informalidade.
Para evitar a exposição ao vírus, as quatro
coordenadoras da rede de doações se articulam somente por Whatsapp. O
banco de alimentos, montado na casa de uma amiga do grupo, fica em um
cômodo separado no quintal, e as doações são buscadas com hora marcada,
para evitar aglomerações.
"A gente está fazendo tudo para respeitar o
isolamento", afirma Rafaela, que conta que mesmo na hora de coletar as
doações na casa dos doadores, muitas vezes o combinado é deixar os
mantimentos na porta e evitar o contato com um dos motoristas
voluntários que reúnem as cestas básicas.
As doações têm sido recolhidas também por
meio de transferências bancárias e financiamento coletivo, e a
assistente social torce para que a mobilização desperte a população para
uma política pública mais eficaz de combate à insegurança alimentar na
cidade. "A gente entende que a solidariedade é muito importante, que o
voluntariado é muito importante, mas a gente queria muito que isso fosse
responsabilidade do governo".
A percepção da vulnerabilidade social também
foi o que levou a psicóloga Marcelle Esteves, de 46 anos, a se engajar
em uma campanha de suporte à população de lésbicas, bissexuais, gays,
transexuais, travestis e intersexuais (LGBTI) durante a pandemia.
Vice-presidente do Grupo Arco-Íris, que já faz essa assistência no dia a
dia, ela viu a necessidade de reforçar as ações no período da pandemia.
Pela internet, cerca de 500 pessoas LGBTI em
situação de pobreza no Rio de Janeiro foram cadastradas para receber
cestas básicas e produtos de higiene que auxiliem na prevenção da
doença. A partir desse primeiro contato, a demanda se mostrou mais ampla
do que somente cestas básicas.
"As pessoas começaram a perguntar quem podia
escutar, se tinha alguém para elas conversarem", conta Marcelle, que
mobilizou uma rede de psicólogos parceiros e conseguiu disponibilizar
112 horários por semana para consultas gratuitas, de segunda a domingo.
"São escutas pontuais nesse período da quarentena, e acreditamos que
vamos conseguir abarcar um número grande de pessoas que estão precisando
dessa escuta, apavoradas e sem saber o que fazer."
Apesar de ter cadastrado um grande número de gays
e lésbicas em situação de pobreza, ela conta que transexuais excluídos
do mercado de trabalho e que dependem da prostituição para sua
sobrevivência são a maioria entre os que pediram ajuda. "Com o
isolamento social, essa população fica totalmente desassistida e sem
possibilidade de se alimentar", diz Marcelle. "As pessoas ligam pedindo
comida".
Enquanto Marcelle e Rafaela se engajaram na
luta para viabilizar o isolamento social de populações vulneráveis, a
estudante de enfermagem Isabella Castro Alves, de 21 anos, é um dos 25
mil voluntários que ofereceram sua mão de obra à Secretaria Estadual de
Saúde do Rio de Janeiro para atuar no combate à doença nas unidades de
saúde. Ainda que a maioria dos profissionais inscritos seja da área de
saúde, o desejo de ajudar também fez com que se cadastrassem advogados,
educadores infantis, babás, teólogos, porteiros, seguranças,
recepcionistas, copeiros, músicos, motoristas e outras carreiras.
Assim como Isabella, metade desse
contingente é de estudantes, e as convocações para trabalhar devem
começar ainda neste mês, segundo a secretaria. Até lá, a universitária
conta que vem estudando a doença, na expectativa de que a experiência
seja também uma oportunidade de formação profissional.
"Além disso, penso no paciente. A gente não
está lidando só com a doença, a gente está lidando com a pessoa. Ela tem
sentimento, tem vontade, tem uma família esperando por ela. E acho
muito legal atuar para tentar minimizar todas as complicações e riscos
para ela poder voltar à sua vida normal e ao seu ambiente familiar."
A estudante conta que a opção de se
voluntariar trouxe apreensão à família em um primeiro momento, já que
sua irmã mais nova tem uma doença crônica e na sua casa também moram a
avó e a tia, que são idosas. "Minha mãe é da área da saúde e estava
relutante com a situação dos grupos de risco que eu tenho dentro da
minha casa", lembra. "Hoje em dia ela já tem uma opinião totalmente
diferente, porque eu consegui convencê-la."
A estudante de enfermagem já foi selecionada
para trabalhar, e agora aguarda a convocação para iniciar o processo de
capacitação. "Sempre pensei em atuar na área de docência, e isso vai me
auxiliar a definir minha linha de pesquisa", acredita ela, que está no
penúltimo período do curso na Universidade Estácio de Sá.