Em estudo publicado na última quarta-feira, 8,
na revista científica Plos One, uma equipe de pesquisadores brasileiros
publicou a descoberta de uma nova espécie de réptil fóssil brasileiro do período Triássico inferior. Nomeado de Elessaurus gondwanoccidens,
o animal homenageia o autor de O senhor dos anéis e chama a atenção
para a biodiversidade fóssil da América do Sul. A pesquisa foi liderada
pela paleontóloga Tiane de Oliveira.
Um dos integrantes da equipe, Felipe Lima Pinheiro, é
cearense formado em Biologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e
trabalhou com pterossauros na Chapada do Araripe. Tem mestrado e
doutorado em Geociências - Paleontologia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRS) e é professor de Paleontologia na Universidade
Federal do Pampa (Unipampa).
Em 2019, ele liderou junto com o paleontólogo Gustavo
Prado uma pesquisa que encontrou uma molécula bem conservada de melanina
em um fóssil de pterossauro de 110 milhões de anos, na Chapada do
Araripe.
Em entrevista ao O POVO, Felipe fala
sobre o amor pelo Araripe, a importância da Paleontologia para a
sociedade e sobre o desejo de formar bons profissionais. Confira:
O POVO - Quando foi que o senhor entendeu que queria ser paleontólogo?
Felipe Pinheiro - Então, quase todo
paleontólogo vai dar uma resposta parecida. É uma paixão que a gente
começa a ter na infância. Eu tenho memórias muito fortes de quando eu
tinha seis, sete anos e meus pais me levaram para a Chapada do Araripe.
Quando eu fui naquele lugar e consegui encontrar fósseis, eu me
apaixonei e decidi fazer tudo certinho para chegar nesse objetivo.
Normalmente quando você vai fazer Paleontologia, você escolhe Geologia
ou Biologia. Eu fui para Biologia. Sempre gostei dessa área. Fiz na UFC,
entrei como monitor no Laboratório de Paleontologia e fiz o TCC com
Paleontologia nas Bacias do Iguatu. Encontramos até um tubarãozinho
novo. Amo os bichos até hoje. Amo o Araripe, é o meu lugar favorito do
mundo. Dou um jeitinho de ir para lá toda vez que venho para o Ceará.
Amo todo o aspecto cultural, artístico, econômico...
OP - Como o senhor chegou no Rio Grande do Sul e começou a pesquisar fósseis de lá?
Felipe - Passei no concurso da
Unipampa em 2014. Ela é uma universidade nova, mas está crescendo muito.
Ela é muito boa em termos de ensino e padrão de pesquisa. Depois que
entrei na Unipampa, foquei a pesquisa nos bichos daqui. Sempre pensei
que, se você quiser fazer descobertas interessantes, você tem que
procurar no lugar que ninguém procura. Olhei para a Formação Sanga do
Cabral. Ela tem o tempo certo, mas ninguém vai lá, é uma formação pouco
estudada. Então desde 2014, a gente começou a fazer nossos trabalhos de
campo. Já saiu um monte de coisa, mas a Cabral ainda tem poucas espécies
descritas. Até agora, descrevemos duas espécies. Em 2016 saiu o Teyujagua,
ele está na linhagem evolutiva que de fato deu origem aos dinossauros.
Estamos descrevendo ainda mais duas, que são outros grupos bem
diferentes. Também temos registros de novos táxons, que não chegaram ao
nível de espécie. A gente tem muita coisa, muito fóssil, muito aluno
trabalhando em cima.
OP - Como o senhor descreve a importância da Paleontologia?
Felipe - Olha, para mim a
Paleontologia tem duas importâncias cruciais, uma mais científica e
outra mais vinculada para a sociedade. A importância científica é que a
gente sabe que as espécies evoluem. Nem precisaria da Paleontologia para
isso, é só perceber olhando, né, isso foi percebido muito antes dos
fósseis serem de fato utilizados. Mas sem a Paleontologia a gente não
teria a história dessa evolução. A Paleontologia é uma ciência
histórica. Ela mostra graficamente, são representações materiais de como
a vida evoluiu, desde a origem até hoje. Imagina, quem que iria dizer,
sem a Paleontologia, que há 500 milhões de anos tinham aqueles
dinossauros. Isso coloca a gente no lugar que a gente merece, faz com
que a gente não se sinta tão especial. Paleontologia ensina que a gente é
uma espécie muito recente, estamos há pouco tempo no planeta. Existem
animais há muito mais tempo no planeta, que tiveram mais contribuição.
Ainda estamos em um local muito periférico para a gente se achar tanta
coisa assim. Já a importância social é justamente porque a Paleontologia
é um dos primeiros assuntos na ciência que vai atrair uma criança. É
incrível, as crianças ficam loucas, a gente sempre faz ações voltadas
para crianças na cidade. Elas normalmente começam a se voltar para a
ciência por meio da Paleontologia e da Astronomia. Elas vão entender que
a ciência existe a partir da paleontologia, com o passar do tempo elas
podem virar cientistas e estudar os vírus do Covid-19. O próprio Átila
[Iamarino, destaque na divulgação científica brasileira sobre o
Sars-Cov-2] é um cara extremamente interessado na Paleontologia. Essas
informações, essas primeiras fagulhas de curiosidade, podem transformar
as crianças em grandes cientistas.
OP - O senhor tem só 32 anos e já participou de muitas descobertas importantes. O que espera da sua carreira nos próximos anos?
Felipe - Assim, se tu me perguntasse
há alguns anos, quem sabe há sete, seis anos, eu diria que esperaria
estar exatamente onde tô hoje, com um emprego. Tem muita gente que sai
do doutorado e não tem emprego. O que eu posso esperar hoje é continuar o
que eu tô fazendo e ter resultados, que não é uma coisa impossível. Eu
pretendo de fato continuar pesquisando essas rochas, essas extinções em
massa. Na verdade a gente tá estudando isso, a recuperação da vida. E a
gente tá vivendo uma extinção em massa [de animais] hoje em dia, tem uma
relevância muito grande. E outro desejo é de estar formando pessoas.
Chega uma etapa em que o mais importante são os profissionais que você
vai formar. É uma das minhas prioridades hoje em dia.
o povo