Não. Essa é a resposta
categórica da pequena Júlia, de 6 anos, quando questionada se a mãe
está sendo boa professora. A menina se divide e diz que gosta de
conversar com a professora da escola por vídeo, mas que prefere fazer as
atividades impressas pela mãe do que as disponíveis na plataforma
online. Essa situação é vivida por muitas crianças dos anos inciais do
ensino fundamental que levaram a escola para dentro de casa em meio à suspensão de aulas por causa da pandemia do novo coronavírus.
A mãe de Júlia, Daniela Gaudia, conta que as
primeiras semanas de aulas a distância foram mais difíceis, até a filha
entender que não estava de férias e precisava se concentrar nos
estudos. A escola também ajustou melhor o conteúdo e agora, em cerca de
uma hora, as duas conseguem terminar as atividades propostas para o dia.
“Eles estão priorizando agora português, inglês e matemática, as outras
disciplinas eles fazem uma tarefa multidisciplinar, por exemplo, e está
bem mais tranquilo”, disse, explicando que há também 15 minutos diários
de encontro online com a professora e os coleguinhas de turma.
De acordo com a educadora Juliana Diniz, é
importante estabelecer essa rotina diária de encontros síncronos entre a
turma e o professor para manter o vínculo, respeitando o tempo da
criança em frente à tela, que não ultrapasse 20 minutos entre
intervalos. Criar um ambiente favorável, apoiar o acesso às plataformas e
manter uma rotina estruturada também são estratégias que podem
potencializar o aprendizado”, disse a diretora pedagógica da Saber,
empresa que presta serviços de educação para o ensino básico.
Bases curriculares
Em relação ao conteúdo didático, segundo
ela, é hora de ser simples, realinhar as expectativas de aprendizagem e
privilegiar aquilo que é fundamental para apoiar as crianças nesse
processo de aprendizagem, que são as competências da leitura, escrita e
raciocínio lógico-matemático. “Essas duas frentes são âncoras para o
desenvolvimento dos demais componentes curriculares”, explicou.
Mesmo para aquelas famílias que não têm
acesso à tecnologia, Juliana ressalta que é importante estimular o
desenvolvimento intelectual com estratégias simples e com as ferramentas
que a família tem mãos. “Se conseguir estabelecer para as crianças uma
rotina de leitura e produção escrita e onde eles possam, na brincadeira,
desenvolver o raciocínio lógico-matemático, já temos grandes ganhos”,
disse.
Sem aulas regulares, os estabelecimentos de ensino têm adotado a educação a distância
(EaD), com uso de computadores, aplicativos e atividades
complementares, para dar continuidade à aprendizagem das crianças. Na
rede pública, estados e municípios adotaram ainda aulas pela TV aberta
para levar conteúdos aos estudantes. Para aquelas que não tem acesso à
tecnologia, secretarias de educação estão adaptando kits pedagógicos impressos para enviar às famílias.
Para o professor Luiz Miguel Garcia,
presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime), as aulas online na primeira etapa do fundamental devem ter
caráter complementar e é importante que a reposição de conteúdo seja
feita com o máximo de aulas presenciais, em sábados letivos e horários
estendidos. Atividades de contraturno também podem ser enviadas para
casa, mas depois que o professor tiver retomado o contato com o aluno.
“Isso vai dar uma qualidade muito maior de
aprendizagem, do que encaminhar um material impresso agora para a
família ter que lidar com aquilo em casa. Além de não gerar o resultado
esperado, pode jogar a autoestima lá embaixo em famílias que ainda estão
fazendo o ingresso no mundo da educação formal”, argumentou, ao
participar de uma videoconferência organizada pela Associação de
Jornalistas de Educação (Jeduca), nessa semana. Para ele, na fase dos
anos iniciais no ensino fundamental, no ciclo de alfabetização, não se
deve usar o EaD pois o aluno não está pronto para esse processo, além de
outras questões como a exposição a telas.
Passado o período de isolamento social,
pós-pandemia, as escolas que adotarem o EaD precisarão fazer um
diagnóstico do que foi assimilado e bem aprendido nessa modalidade, e,
segundo Juliana Diniz, se necessário, retomar o conteúdo e a prática
para preencher possíveis lacunas de aprendizagem. “Por exemplo, as
turmas que estão em alfabetização são turmas que demandam uma mediação
importante do professor, na aquisição do letramento”, disse. “Dado que
esse modelo [de aula online] nunca foi amplamente testado, precisamos
ter muita responsabilidade e diligência para aferir aquilo que
conseguimos alcançar”, explicou à Agência Brasil.
Dosagem do conteúdo
Para Sara Salenave, mãe de duas crianças,
uma de 6 anos e outra de 4 anos, o processo de início das aulas online
“foi péssimo”. “Deixei acumular 45 atividades de diversas disciplinas,
em duas semanas. Não consigo, não tenho esse tempo livre, estou no meu
ritmo de trabalho normal desde que tudo começou”, desabafou, dizendo que
se empenharia para colocar as atividades em dia.
Segundo ela, a escola da filha está com um
regime mais pesado, com uma grade horária em que os professores ficam
online no horário regular de aula, de 7h30 ao meio-dia. “As atividades
ficam disponíveis, mas qualquer dúvida, para conversar com o professor,
você tem que estar no horário de aula. Eu acho que poderia deixar isso
mais simples”, disse. As várias plataformas e senhas para acessar os
livros online e as atividades também só confundiram Sara.
Juliana Diniz destaca que a dosagem de
conteúdo é importante e que a escolarização continua sendo
responsabilidade da escola, não da família. “Uma coisa é a família atuar
como mediadora e facilitadora de acesso, outra é vir um volume e
demanda de atividades que inviabilize esse trabalho”, disse. Além disso,
segundo a educadora, é dever da escola ajudar as famílias a cuidarem da
saúde mental e emocional das crianças. “Quando tudo isso passar
precisamos estar mais inteiros do que nunca para conseguir reconstruir
esse novo normal”, destacou.
Já o presidente da Undime é taxativo:
“reproduzir o modelo de aula presencial em uma situação à distância não
funciona”, disse Garcia. A entidade é favorável ao uso de tecnologias da
informação, mas avalia que é importante respeitar as formas do
estudante aprender.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional o
ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância
utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações
emergenciais. Para o ensino médio, poderá acontecer por meio de
convênios com instituições de educação à distância. E para a educação
infantil, não há essa previsão, mas há a expectativa, em meio às ações
de enfrentamento da pandemia, de que o ensino a distância seja estendido
também a essa etapa para validação da carga horária obrigatória.
Educação infantil
O governo federal determinou que as
instituições de ensino estão isentas de cumprirem o mínimo de 200 dias
letivos, mas manteve a carga horária, de 800 horas, necessária para
completar o ano de estudo. Entretanto, para o presidente da Undime é
preciso flexibilizar essa regra na educação infantil, que inclui creches
e pré-escolas, e discutir a medida com os conselhos de educação, já que
não se sabe quanto tempo vai durar a suspensão das aulas. Essa etapa
também precisa ficar de fora da regulamentação de educação à distância,
segundo Garcia.
“A educação infantil é o cartão de entrada
dessa criança na vida escolarizada. Se não formos eficazes agora, nós
estamos condenando uma criança a uma vida inteira de uma impressão ruim
da escola. A escola é interação, troca de experiência, é aprendizagem
constante uns com os outros. Vamos assumir esse papel, essa pandemia é
um momento de aprendizagem, não vamos atropelar e colocar a frieza da
lei acima do bom senso”, ressaltou o professor.
Também durante a videoconferência da Jeduca,
a educadora Carolina Velho, da Rede Nacional pela Primeira Infância,
corroborou os argumentos de Garcia e disse que a aprendizagem nessa
etapa é pautada pela brincadeira e interação humana, ligada ao
desenvolvimento atual da criança, e deve acontecer em espaço
institucional e coletivo. Por isso, não há possibilidade de reposição.
“É a única parte da educação básica em que a idade é o processo de
educação. A gente não pode voltar para fazer a educação infantil como em
outras etapas educacionais”, explicou.
Para Carolina, o uso de EaD nessa fase
também pode comprometer o desenvolvimento por causa do tempo de
exposição às telas. Ela citou as orientações
da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre como lidar com as crianças
durante a quarentena. O tempo de tela deve respeitar os limites para
cada faixa etária e é preciso evitar a exposição de crianças menores de
dois anos às telas, mesmo que passivamente. Outro documento da entidade,
Menos Telas Mais Saúde,
descreve as alterações de comportamento e saúde que a exposição
excessiva à celulares, tablets e computadores pode provocar nas
crianças.
Por isso, segundo Caroline, a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) tem tantos dispositivos dizendo que, na educação
infantil, as experiências concretas são fundamentais. “A atividade em
frente às telas leva à passividade e ao isolamento. Existe uma distração
passiva, por isso precisa da mediação do adulto”, disse.
Juliana Diniz, diretora pedagógica da Saber,
disse que a orientação para a educação infantil é garantir o contato
com a professora em encontros online, de duas a três vezes por semana, e
disponibilizar um conjunto de atividades, brincadeiras, orientações em
artes e atividades corporais para as crianças realizarem ao longo da
semana. “A nossa grande conquista é conseguir garantir um roteiro de
trabalho junto das famílias que ajuda as crianças a manterem uma rotina
que seja leve e saudável, mais uma rotina de produção intelectual e
saúde mental para poder passar por essa fase”, explicou.
Para Luciana Heringer, mãe de crianças de 6
anos e de 12 anos, as aulas online são importantes para manter o vínculo
com a escola e colegas e manter a rotina da casa, de dormir e acordar
cedo. “A parte mais difícil é fazer as tarefas, vai muito tempo. Não é
fácil e creio que, na volta à normalidade, veremos o trabalho da escola e
principalmente dos professores com outro olhar”, destacou.