“Não pensei duas vezes: a gente começa a
fazer só álcool em gel”. De janeiro a março deste ano, a fábrica baiana
de perfumaria e cosméticos, Avatim, produzia uma tonelada de álcool em
gel, junto com mais de 450 outros produtos que vão de sabonetes a
difusores de ambiente. Depois do dia dez de março, tudo mudou. Inclusive
a sua linha de produção, quando a pandemia do novo coronavírus se
instalou no país.
“De imediato, fechamos todas as lojas da rede e
focamos nossa produção no que era essencial. Na Avatim, o lema se
tornou não desempregar e sim garantir o pagamento das contas. Foi o meu
primeiro impulso”, afirma a sócia-fundadora da marca, Mônica Burgos.
De lá para cá, 18 toneladas de álcool em gel foram
produzidas – número 18 vezes maior do que havia sido fabricado no
primeiro trimestre deste ano. Até mesmo todo o estoque de embalagem de
outros produtos foram direcionados para o envase daquele que tem sido o
artigo mais disputado desde que a pandemia colocou o país em quarentena.
A Avatim tem mais de 150 lojas em 24 estados do Brasil,
além de dois mil revendedores e distribuidores. Só 40% dos funcionários
estão trabalhando e em um turno, evitando, assim, aglomerações no
almoço. Na fábrica instalada em Ilhéus (BA), batem ponto exclusivamente
aqueles que operam a linha de produção de álcool em gel e com cuidados
mais que redobrados.
A outra parte da equipe segue no sistema home office. A
empresária também optou por antecipar férias, afastou o pessoal que
está no grupo de risco e ofertou transporte próprio para aqueles que
precisam ir para a fábrica.
“Precisamos alcançar, pelo menos, 30% do nosso
faturamento no mesmo período do ano passado, para que consigamos arcar
com a folha de pagamento. Garantir essa verba para não demitir ninguém é
a nossa maior preocupação. Eu posso reajustar meus preços, minhas
margens e lucratividade depois. Se eu não pensar no outro agora a quem
eu vou vender lá na frente? A gente tem que ter essa consciência.
Demitir funcionários não resolve”.
Com as lojas da rede fechadas, foi preciso buscar
fôlego e criar alternativas. Além de abrir um canal para atender
mercados e farmácias, a marca está correndo para colocar em prática uma
política de e-commerce, chegando a liberar as franquias para operar
delivery.
“A realidade é que o coronavírus está obrigando todas
as empresas a se reinventarem. Temos que chegar junto. A nossa loja
própria de Ilhéus, por exemplo, tem faturado mais com delivery do que
com a loja aberta. Isso me surpreendeu muito”, destaca.
Para todo mal, a cura
Nem toda a produção de álcool em gel, no entanto, é
comercializada. Mônica fez questão de destinar uma parte para doações a
hospitais e asilos. “Estou tentando, ao máximo, dividir o que
produzimos. A crise me preocupa também nesse sentido. 80% das nossas
doações ficam no estado. Nessa hora, todo mundo tem que se ajudar. Sim,
eu preciso pagar minhas contas, mas também ajudar o outro”.
Para a empresária, falta ainda um movimento coletivo da
cadeia produtiva. A demanda é grande, porém, ela lamenta não só a
escassez de insumos para atingir a capacidade total da fábrica, mas
também o reajuste do valor da matéria-prima e novas condições de
pagamento impostas por fornecedores.
Segundo Mônica, a Avatim detectou um aumento de cerca
de 20% nos insumos químicos, além da exigência do pagamento à vista dos
pedidos, que nem sempre chegam completos. Em itens específicos para a
produção do álcool em gel, a alta dos preços alcança 100%.
“Só posso produzir mais álcool em gel se tiver
matéria-prima. Aumentar o preço e pedir pagamento dessa forma é colocar o
outro contra a parede. A casa está cheia de pedidos, mas quando a gente
vai para a cadeia de insumos vem o entrave. É um problema vergonhoso.
Todo mundo tem que pensar na cadeia como um todo, senão esse álcool em
gel não vai chegar”, pontua.
Não adianta só lavar as mãos para combater a pandemia,
como a empresária ainda defende: “A maior lição disso tudo que está
acontecendo é que vai ter um momento que muitos negócios vão ter que
colocar esse sentimento de solidariedade para fora, principalmente
repensando todos os seus valores e propósitos a nível de empresa e de
lucro”, completa.
Cinco lições da crise para os negócios
O que é essencial? “Era produzir álcool em gel ou
deixar tudo isso aí parado”, pontua Mônica Burgos, sobre a decisão que
tomou ao mudar 100% da operação da fábrica da Avatim. A necessidade cria
a oportunidade.
Não demita Mônica insiste em destacar que nesse momento
de crise o empregador deve evitar, ao máximo, aumentar os índices de
desemprego: “Quanto mais desempregados na rua, menos gente na loja
depois que essa crise passar”.
Entenda a mudança Não vai ser fácil. As empresas serão
obrigadas a se reinventar. Não apenas seus processos, mas também seus
valores e propósitos, a nível de lucro.
Pense em cadeia Para a empresária, não dá para focar
apenas no seu negócio sem compreender o impacto da crise em toda a
cadeia produtiva. “É pensar como um todo. Chegar junto, argumentar,
contra argumentar, negociar e não colocar o outro contra a parede”,
afirma.
Crie novas possibilidades A Avatim sempre teve lojas
próprias e rede de franquias, mas decidiu abrir sua distribuição para
farmácias e supermercados. A empresa não só focou toda sua produção no
álcool em gel, mas também autorizou que as franquias ofertassem o
serviço de delivery e vai colocar em operação sua política de
e-commerce. “O caminho é transformar de imediato essas possibilidades em
receita e garantir o pagamento das contas”.