Em todo o mundo, cerca
de 200 grupos de cientistas trabalham intensamente no desenvolvimento
de uma vacina segura e eficaz contra a covid-19. Segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS), pelo menos oito delas já iniciaram a fase
clínica, de testes em pessoas.
A equipe brasileira, composta por 15
pessoas, é liderada pelo pesquisador Alexandre Vieira Machado, da
Fiocruz em Minas Gerais, em parceria com outras instituições, como a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto Butantã, a
Universidade de São Paulo (USP) e a Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto.
Segundo Machado, o Instituto do Coração
(Incor) de São Paulo também trabalha no desenvolvimento da vacina,
liderado pelo médico Jorge Kalil, e há troca de informações entre as
duas equipes. “Esperamos que nós possamos utilizar a deles junto com a
nossa em alguns testes”, diz Machado.
Coronavírus
A atual pandemia de covid-19 é causada pelo
novo coronavírus, chamado tecnicamente de Sars-CoV-2, uma mutação do
vírus Sars-CoV-1, que provoca a Síndrome Respiratória Aguda Severa
(Sars, da sigla em inglês). Segundo dados da OMS, a Sars registrou 8.098
casos e deixou 774 mortos em 26 países entre 2002 e 2003, com foco
principal na Ásia.
Outro tipo de coronavírus causa a Síndrome
Respiratória do Oriente Médio (Mers, da sigla em inglês), que deixou 858
mortos desde 2012, com um total de 2.494 casos em 27 países.
Covid-19 significa Corona Virus Disease,
ou doença do coronavírus em português. O 19 se refere a 2019, ano em
que foram divulgados os primeiros casos em Wuhan, na China. O Sars-Cov-2
já registrou quase 6 milhões de casos em todo o mundo, com mais de 360
mil mortos.
Machado explica que o vírus Sars-CoV-1
desapareceu depois do surto de 2002 e as pesquisas com ele foram
interrompidas, por isso agora há mais dificuldade de se encontrar a
vacina, com a pandemia em andamento e com um vírus muito mais contagioso
e que causa uma doença grave. “É como ter que trocar o pneu de um carro em movimento descendo uma ribanceira”, diz o pesquisador.
“Não tem vacina pro Sars-CoV. É uma coisa muito triste e um recado para a ciência e para as agências de fomento. Somos frequentemente confrontados com doenças novas, como zika e chikungunya, e a volta de outras, como sarampo e febre amarela, isso desvia o foco das linhas de pesquisa e dos investimentos em vacina. Isso é ruim, porque se nós tivéssemos uma vacina aprovada para Sars-CoV-1, mesmo que fosse em fase clínica, numa plataforma que funcionasse, a gente poderia ter pulado algumas etapas”.
Vacina
Machado explica que o trabalho de sua equipe
está sendo feito a partir de algum conhecimento acumulado com o
Sars-CoV-1 e usa como base o vírus influenza recombinante, outra doença
com sintomas respiratórios e mais grave em idosos, assim como a
covid-19.
“Nós modificamos geneticamente o vírus da gripe, que é o vírus influenza, para que ele produza tanto as proteínas do vírus da gripe quanto uma proteína que nós chamamos de imunogênica, uma proteína que induz resposta imune, no caso ao Sars-CoV-2. Esperamos que uma pessoa vacinada com esse vírus tenha uma proteção contra a covid-19 e também à influenza”.
Porém, embora promissor, o trabalho ainda
está longe de ser concluído. Segundo o pesquisador, o desenvolvimento
laboratorial, com testes em camundongos, deve ser concluído em meados do
ano que vem. Para só então iniciar a fase clínica, que é mais complexa e
cara, pois exige mais estrutura, pessoal especializado e condições
sanitárias específicas.
“A partir daí começa a parte clínica, usando
outra espécie, como hamster, com mais controle de segurança, de
toxicidade, de reações adversas. Depois que sair disso, ainda vai mais
uns dois anos para entregar uma vacina com segurança para a população. Hoje é
torcer para essas vacinas que estão em fase clínica, algumas delas,
cheguem a termo e que nós tenhamos vacinas o suficiente para vacinar a
população mundial”.
Segundo ele, uma das vacinas que já entrou na fase clínica foi o da Universidade de Oxford,
no Reino Unido. A equipe britânica estava trabalhando com a vacina da
Mers e testam agora com o antígeno do Sars-CoV-2. “Eles já tinham um
conhecimento que colocou eles alguns passos adiante”, explica Machado,
afirmando que, no momento, ainda há mais perguntas do que respostas
sobre a vacina.
“Nós não sabemos ainda com quantas doses a vacina vai funcionar. Será que vai ter a
mesma eficácia em jovens, idosos e crianças? Por quanto tempo a pessoa
vai ficar imunizada? Essas questões todas têm que ser avaliadas e quanto
mais opções nós tivermos de ferramentas, mais chances nós temos de
chegar a um produto final”.
Equipes americanas e chinesas também estão na corrida para uma imunização para a covid-19 com resultados promissores.
Mas para o pesquisador, é fundamental que as
instituições públicas do Brasil desenvolvam a vacina com tecnologia
própria, para que o país seja capaz de proteger a sua população sem
depender de outras patentes, muitas vezes desenvolvidas por empresas
privadas.
“Isso é muito importante, porque a vacina para covid-19 nem existe e já tem briga por ela. Qual a garantia que o Brasil tem, se um laboratório no exterior conseguir produzir, que terá acesso a ela? E em tempo hábil? Então o Brasil ter uma vacina própria, com tecnologia própria, é soberania nacional e independência tecnológica. Hoje, vacina é geopolítica e ciência é poder”, afirma.