Este domingo (10) é
uma data especial para a imensa maioria das famílias brasileiras. É o
dia de homenagear as mães. Mas, é claro que, pela importância do
momento, os festejos não vão ficar restritos ao nosso país. Por exemplo,
em Portugal, mesmo com a data já tendo sido comemorada na semana
passada, conforme o calendário local, vai ter uma família brasileira
fazendo festa. Na cidade de Cintra, a aproximadamente 40 quilômetros da
capital Lisboa, os irmãos Lethícia e Lucas Lacerda vão homenagear mais
uma vez a mãe Jane Karla.
"Já ficamos bem juntinhos o dia todo na
semana passada. Mas também vamos comemorar neste domingo. O bom é que
podemos abraçar a minha mãe duas vezes", comemora Lethícia. Nem mesmo a
pandemia do novo coronavírus (covid-19) vai prejudicar o momento
de afeto da família. "O máximo que podemos dar nessa situação é muito
carinho e amor para ela. Vamos aproveitar para uma sessão de pipoca aqui
em casa e fazer também algo bem gostoso para comermos e aproveitarmos o
dia em família ", planeja a mesatenista (confira o histórico dela logo
abaixo).
Na Europa há dois anos, a família mantém a
união. "Quando vim para Portugal, eles vieram comigo. Não conseguiria
ficar aqui sem eles. A família é tudo de mais precioso que Deus me deu.
Quase sempre festejamos o dia das mães juntos por aqui. Só não acontece
quando estamos em competições. A Lethícia, desde muito pequena, adora
fazer surpresas para mim, com desenhos e presentinhos. Já recebi até
café na cama. Tudo muito fofinho. Ela é sempre muito carinhosa e amorosa
comigo ", diz a orgulhosa mãe Jane Karla, atleta do tiro com arco em
cadeira de rodas (veja trajetória abaixo).
Mãe coruja e atleta
O sexto lugar conquistado no Mundial da
Holanda ano passado colocou Jane Karla na quarta edição dos Jogos
Paralímpicos de Tóquio (Japão). Nas Olimpíadas de Pequim (2008) e de
Londres (2012), Jane Karla participou como mesatenista. Já na Rio 2016,
ela disputou a modalidade Tiro com Arco.
Além da mudança do calendário da
Paralimpíada, a pandemia de covid-19 causou o cancelamento de três
campeonatos previstos para esse ano, que seriam no México, nos Estados
Unidos e na República Tcheca. Mas isso não tirou a motivação de Jane
Karla, de 44 anos. "A parada foi por uma causa muito maior. Proteger as
pessoas. Estou tentando fazer o meu melhor para seguir treinando dentro
das minhas possibilidades. A minha sala virou o nosso CT”, comenta a
goiana, que teve poliomielite na infância. A doença comprometeu seu
equilíbrio do corpo ao andar e afetou a força dos membros da atleta.
Mesmo com o adiamento dos Jogos, o técnico
Henrique Junqueira, da seleção brasileira da modalidade, acredita que
brasileira pode fazer bonito em 2021. "A maioria dos atletas está na
mesma situação que a Jane, treinando tiros na distância de cinco metros
dentro de casa. Tivemos alguns prejuízos financeiros. A passagem já
estava toda comprada para o México. Mas, na parte técnica, ela foi a
primeira atleta do país no olímpico e no paralímpico a liderar o ranking
mundial em 2019. É claro que ela tem capacidade de chegar lá de novo. É
o nosso sonho".
Não é otimismo exagerado. Entre 2019 e 2020,
Jane Karla quebrou três vezes o recorde mundial da prova. A última foi
em Nimes (França), quando fez 582 dos 600 pontos possíveis. E, é claro
que a esperança dos bons resultados segue alta.
Filha mesatenista
Lethícia Lacerda tem apenas 17 anos e o
esporte correndo nas veias. Filha de Jane Karla, bicampeã
parapan-americana no tênis de mesa em 2007 e 2011, além de medalhista de
ouro no tiro com arco nos Jogos de Toronto, em 2015. "Ela me dá muita
motivação. Principalmente, porque ela já participou disso tudo e é uma
coisa que ela gosta muito. Acho que esse amor passou de mãe para filha".
Desde muito jovem, a garota acompanha a mãe
nas competições. "Não tinha como tomar outro caminho".O único obstáculo
que ela precisava transpor para começar a praticar tênis de mesa era
chegar à altura da mesa. E isso aconteceu ainda aos sete anos de idade.
"Desde muito nova, ela já queria jogar. E, quando conseguiu alcançar a
mesa, o meu esposo começou a treiná-la". lembra Jane.
O padastro Joachin Gogel, ex-técnico da
seleção alemã de tênis de mesa, foi o professor da garota desde as
primeiras raquetadas. Dos sete aos 12 anos, a jovem nascida em Goiânia
(GO) participou de competições convencionais até que as dores no quadril
começarem a lhe incomodar. "Os médicos não têm um diagnóstico certo,
mas é uma deficiência congênita vinda do meu pai. Tenho desgaste no
quadril e inflamação nas juntas, limitações para agachar, correr e
pular. E a tendência é piorar ao longo dos anos. Mas, por não termos um
diagnóstico correto, não sabemos se tem algum tratamento. Os médicos
acreditam que é espondilite. Sinto ainda muitas dores. Meus joelhos
incham demais, só que não consigo ficar parada. Aos poucos estou
aprendendo a lidar com a dor", revela Lethícia, que no paradesporto
participa das competições entre as atletas das classes 8 e 10.
O principal sonho da jovem é estrear nos
Jogos Paralímpicos já no ano que vem em Tóquio (Japão). E a realização
desse sonho está mais próxima do que nunca. O caminho rumo ao Oriente
começou no ano passado em Lima (Peru). Nos Jogos Parapan-Americanos, a
jovem faturou a medalha de bronze, mesmo sendo a caçula da delegação
brasileira. "Foi incrível. Além de ter a emoção da medalha e de
participar dos jogos, ainda aproveitei muito a comida local e as
atividades da Vila Parapan-americana. Joguei muito videogame", se
diverte ao lembrar.
Depois disso, ela seguiu participando das
etapas do circuito até o Mundial da Polônia, último torneio antes da
pandemia de covid-19. Na última atualização do ranking, a brasileira
lidera a lista das Américas da classe oito (as classes de 1 a 5 são para
cadeirantes; de 6 a 10, para andantes. E, quanto maior for o número da
classe, menor é o grau da deficiência). "Já estou quase lá. É só ter
paciência e esperar a liberação da lista para a vaga ser minha" diz
confiante. A orgulhosa mãe, que também está garantida em Tóquio (veja
abaixo), festeja a excelente fase da filha. "Será lindo estarmos juntas
lá em Tóquio ".
Agora, durante a pandemia, o desafio é
adaptar a rotina de treinamentos. "Ficou um pouco difícil montarmos uma
mesa aqui em casa porque o espaço é pequeno. Mas, a Lethícia não
descuida da parte física. E eu estou em um cantinho aqui na sala de casa
treinando também, bem perto dela" conta a mãe Jane Karla. "Assim que
tudo voltar ao normal, não vou mais sair da mesa", promete Lethícia.