Hoje, 12 de junho,
é Dia Mundial contra o Trabalho Infantil e também Dia Nacional de
Combate ao Trabalho Infantil. A atividade é ilegal conforme a
Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e duas
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) subscritas
pelo Brasil – uma sobre a idade mínima para admissão ao trabalho e outra
sobre a proibição das pioras formas de trabalho infantil. A Lei da
Aprendizagem estabelece regras para a ocupação de adolescentes com 14
anos ou mais na condição de aprendiz
.
A rigor, o Brasil e todo o planeta voltam-se
contra prática, que pode provocar “a queda no desempenho e o abandono
escolar, conduzir crianças e adolescentes a uma vida adulta limitada, na
qual exercem subempregos, com salários baixos e em condições
degradantes, além de ficarem expostas a outras tantas violências, como o
envolvimento com drogas, exploração sexual, acidente de trabalho, e
outras”, afirma a desembargadora do Trabalho Maria Zuila Lima Dutra, do
Tribunal Regional do Trabalho (8ª Região) do Pará e Amapá.
Além desses efeitos, expostos ao trabalho
precoce, eles enfrentam problemas como o consumo de entorpecentes, o
recrutamento para o tráfico de drogas e a gravidez precoce, acrescenta
Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, coordenadora da Comissão de
Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
também no Pará e Amapá. Ela sublinha que o trabalho infantil deixa
marcas de sofrimento. “Quem é o adulto que é feliz e que quando se
reporta a sua infância só traz experiências negativas?”, pergunta.
A desembargadora Maria Zuila, que também é
gestora nacional e coordenadora regional do Programa de Combate ao
Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho,
diz que está especialmente preocupada com a possibilidade de a crise
econômica provocada pela pandemia da covid-19 resultar no aumento do
número de crianças e adolescentes trabalhando ilegalmente.
“A situação é agravada nesse tempo de
pandemia pelo aumento do número de desempregados no país, o que nos leva
a projetar que o índice de trabalho infantil será elevado porque a
necessidade de sobrevivência empurra crianças e adolescentes a trocar a
sua força de trabalho por comida. É um cenário que também põe em risco a
profissionalização de adolescentes e jovens”, ressalta a
desembargadora.
Marie Henriqueta disse à reportagem que “não
há dúvida de que houve impacto” da covid-19 sobre o trabalho infantil
por causa do “desespero” das famílias geradas pelo empobrecimento. Ela
relata já ter
ouvido de crianças e adolescentes que tem que trabalhar frases como:
“Eu me cuido, tia, mas preciso ajudar, porque na minha casa nós passamos
dois ou três dias sem comer.”
“Os pais e mães ou responsáveis, por já
viverem em situação financeira insuficiente, estimulam suas crianças e
adolescentes a conseguir dinheiro de diversas formas, tudo isso
culturalmente apoiado por uma sociedade que alimenta as desigualdades
com pensamentos cruéis, e no mínimo equivocados, de que não se tem
escolha”, afirma a gerente de projetos da Plan International Brasil na
Bahia, Sara Oliveira. A ,Plan International é uma organização não
governamental (ONG) estrangeira sem fins lucrativos e com propósito
humanitário que atua no Brasil desde 1997.
Campanha
As avaliações sobre aumento da ocupação
precoce ilegal correspondem ao diagnóstico traçado pelo Fórum Nacional
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. “O cenário brasileiro
já tinha desafios consideráveis para a proteção dos direitos de crianças
e adolescentes, especialmente para a eliminação do trabalho infantil.
Entretanto, os impactos socioeconômicos da pandemia evidenciam e
aprofundam as desigualdades sociais existentes e potencializam as
vulnerabilidades de muitas famílias brasileiras”, assinala texto da
Campanha 12 de Junho,
organizada pelo fórum, que discute neste ano o tema Covid-19: Agora
Mais do que Nunca, Protejam Crianças e Adolescentes do Trabalho
Infantil.
Conforme Sara Oliveira, a campanha do “está
alinhada à iniciativa global proposta pela OIT. O objetivo é
conscientizar a sociedade e o Estado sobre a necessidade de maior
proteção a esta parcela da população, com o aprimoramento de medidas de
prevenção e de combate ao trabalho infantil, em especial diante da
vulnerabilidade socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo
coronavírus”.
Naturalização do problema
Maria Zuila Dutra soma o agravamento da
situação social em meio a pandemia ao “desmonte” de órgãos responsáveis
pela fiscalização e pelo combate à exploração no trabalho. Segundo a
desembargadora, esses problemas também ocorrem porque parte da sociedade
brasileira não acha errado ou naturaliza o trabalho infantil.
Para Maria Zuila, o fenômeno tem raízes históricas. “No Brasil, a prática de explorar a força de trabalho de crianças e adolescentes existe desde a colonização e persiste até os nossos dias como inaceitável herança da escravidão. Esse deplorável fenômeno contribuiu para formar a cultura dos mitos que insistem em permanecer em nossa sociedade, no sentido que ‘é melhor trabalhar do que ficar na rua’, ‘é melhor trabalhar do que roubar’; ‘trabalhar não mata ninguém’, e tantos outros. Quem de nós já não ouviu essas ou outras expressões semelhantes alguma vez?”, questiona a desembargadora.
Para Maria Zuila, o fenômeno tem raízes históricas. “No Brasil, a prática de explorar a força de trabalho de crianças e adolescentes existe desde a colonização e persiste até os nossos dias como inaceitável herança da escravidão. Esse deplorável fenômeno contribuiu para formar a cultura dos mitos que insistem em permanecer em nossa sociedade, no sentido que ‘é melhor trabalhar do que ficar na rua’, ‘é melhor trabalhar do que roubar’; ‘trabalhar não mata ninguém’, e tantos outros. Quem de nós já não ouviu essas ou outras expressões semelhantes alguma vez?”, questiona a desembargadora.
“A sociedade ainda entende o trabalho como
solução para a criança pobre, no lugar da educação, de garantir a
proteção integral por parte do Estado. Isso revela que nesse discurso de
defesa do trabalho infantil está presente também um preconceito de
classe, uma discriminação em relação à população mais pobre. Isso em um
momento em que filhos e filhas das classes altas estão adiando cada vez
mais a entrada no mercado de trabalho”, acrescenta Sara Oliveira, da
Plan International Brasil.
Na opinião de Sara, a solução do problema
passa pela educação. “A escola de qualidade e em tempo integral é a
grande alternativa capaz de romper o círculo vicioso hoje instalado entre as famílias de classes sociais menos privilegiadas.”
Números
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), havia em 2016, quando o país estava em recessão econômica, 2,4
milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de
trabalho infantil, ou 6% da população (40,1 milhões) na faixa etária.
Como destaca o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil, “desse universo, 1,7 milhão exerciam também afazeres domésticos de forma concomitante ao trabalho e, provavelmente, aos estudos”.
De acordo com o levantamento, as regiões
Nordeste e Sudeste registraram as maiores taxas de ocupação na faixa
etária dos 5 aos 17 anos, respectivamente 33% e 28,8%. “Em termos
absolutos, os estados de São Paulo (314 mil), Minas Gerais (298 mil),
Bahia (252 mil), Maranhão (147 mil), ocupam os primeiros lugares entre
as unidades da Federação. Nas outras regiões, destacam-se os estados do
Pará (193 mil), do Paraná (144 mil) e do Rio Grande do Sul (151 mil)”,
enumera o Fórum.
Ainda segundo o que a pesquisa apurou, há
mais crianças e adolescentes trabalhadoras nas cidades em números
absolutos do que na zona rural. Em 2016, havia 976 mil trabalhadores
precoces em áreas rurais e 1,4 milhão em áreas urbanas. No meio rural,
no entanto, é mais expressivo o número de crianças de 5 a 13 anos de
idade trabalhando: 308 mil. Nas cidades, o número foi de 143 mil.
“As atividades mais comuns são trabalho doméstico,
agricultura, construção civil, lixões, mendicância e tráfico de drogas
...todas tipificadas como piores formas de trabalho infantil”, salienta
Sara Oliveira.