Agência Brasil
Redes de ensino de todo o país apostam em habilidades socioemocionais para ajudar gestores, professores e famílias a lidarem com o retorno às aulas presenciais quando elas ocorrerem. São habilidades como persistência, assertividade, empatia, autoconfiança, tolerância a frustração, entre outras, que podem, de acordo com os especialistas entrevistados pela Agência Brasil, melhorar o aprendizado dos alunos e ser ferramentas importantes para lidar com a pandemia do novo coronavírus.
“Estamos bastante preocupados com esses estudantes que vão voltar. Vai ter estudante que perdeu familiares, que têm familiares na UTI [unidade de terapia intensiva], a gente tem que estar preparado para isso. Estamos também preocupados com a questão cognitiva. Nem todos os estudantes tiveram as mesmas condições ou estão tendo as mesmas condições para estudar”, diz a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Cecilia Motta.
O Consed firmou uma parceria com o Instituto Ayrton Senna, que a partir do dia 16, irá oferecer uma formação aos educadores, gestores e às famílias interessadas sobre as chamadas competências socioemocionais. Os técnicos e equipes de formação das redes de ensino participarão de reuniões fechadas e, a cada 15 dias, serão feitas lives abertas, pela internet, voltada a professores, famílias de estudantes e demais interessados.
“Estamos vivendo algo sem precedentes na história da humanidade. De uma hora para a outra, tivemos nossas vidas transformadas”, diz o vice-presidente de Desenvolvimento Global e Comunicação do Instituto Ayrton Senna, Emilio Munaro. “Nos deparamos com a situação de escolas fechadas, entre outras. As pessoas perderam o senso do que vai acontecer e se viram diante da imprevisibilidade, o que torna as pessoas ansiosas. Para controlar isso, eu preciso desenvolver minhas habilidades”, acrescenta.
Segundo Munaro, habilidades socioemocionais podem ser aprendidas. Essas competências estão previstas, inclusive, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estabelece o que deve ser ensinado em todas as escolas do país. De acordo com a BNCC, os estudantes devem ser capazes de “conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas”.
“A ciência mostrou que na hora que se desenvolve competências socioemocionais, se potencializa as competências cognitivas. Se uma criança desenvolve resiliência e combina com abertura ao novo, tem desempenho melhor, por exemplo, em língua portuguesa. Ao invés de ensinar uma única fórmula matemática, eu ensino o aluno a sentar e resolver problemas. Com isso, eu associo a técnica de resolver problemas a qualquer disciplina, a física, química, biologia. Desde que aprenda a estrutura mental de resolver problemas, consigo fazer isso em qualquer disciplina”, diz Munaro.
Durante a pandemia
Em Granja, município cearense localizado a cerca de 300 quilômetros da capital do estado, Fortaleza, o professor de geografia das escolas municipal e estadual José Lira Dutra, defende que desenvolver competências socioemocionais é algo importante de ser feito desde já, mesmo antes do retorno às aulas presenciais.
“Fiz um levantamento junto a meus alunos e conversando com eles, percebi que eles estavam com uma dificuldade enorme, tanto na autogestão - assim como eu, professor, fiquei perdido, o aluno ficou sem saber como organizar sua rotina familiar e escolar - quanto na resiliência. A partir desse levantamento, comecei a trabalhar com eles essas competências”, conta.
Desde antes da pandemia, Dutra desenvolvia, com os estudantes do ensino médio o projeto diretor de turma voltado para o desenvolvimento de habilidades ligadas às emoções. Segundo o professor, com a suspensão das aulas presenciais, a realidade dos alunos mudou muito. Até então, eles eram proibidos de mexer no celular dentro da sala de aula. Agora, precisam da ajuda da tecnologia para aprender. “O aluno precisa se engajar no processo de aprendizagem. E esse processo hoje está mudando”.
Para ensinar nesse novo contexto, Dutra diz que ele mesmo precisou se reinventar e para isso, contar com as habilidades socioemocionais. “O professor precisa hoje se apropriar da tecnologia que está a disposição. É fácil? Não. Tem algumas dificuldades, a verdade seja dita. A partir daí, tem que mostrar para o aluno que o professor está aberto a aprender a reaprender esses novos conceitos e novas práticas de aulas remotas. O professor estando engajado, o aluno vai entender e vai se engajando também. O professor tem uma força muito grande de engajar o aluno a partir da sua prática e da sua fala”, diz.
Atividades presenciais
Estados e municípios afirma que discutem formas seguras de retomar as aulas presenciais que, na maior parte dos locais, não tem data prevista. Tanto o Consed quanto a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) divulgaram documentos para orientar as redes de ensino a estipular regras para a retomada.
“Nós estamos com muita cautela porque todas as datas que a gente previu que voltaria não deram certo. Estamos discutindo não é quando voltaremos, mas o que faremos quando voltarmos, que tipo de cuidados teremos que ter, com os estudares, famílias. Como a gente vai fazer isso é motivo de debate o tempo todo”, diz Cecilia.
Nesta semana, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou um parecer com Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia. De acordo com o parecer, a reabertura das escolas deve ser segura e consistente de acordo com as orientações das autoridades sanitárias locais e das diretrizes definidas pelos sistemas de ensino.
O parecer orienta ainda que as redes capacitem os professores e funcionários, pois “é essencial a preparação socioemocional de todos os professores e funcionários que poderão enfrentar situações excepcionais na atenção aos alunos e respectivas famílias, como também a preparação da equipe para a administração logística da escola”, diz o documento.