Em resposta à disparada do IGP-M, índice que reajusta o valor do aluguel, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para um projeto de lei que limita a correção dos contratos à inflação. A iniciativa, no entanto, vem sendo criticada como uma tentativa de intervir em uma relação de mercado.
A proposta que tramita na Câmara prevê que o teto para reajuste dos contratos seja o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou outro índice oficial de inflação, caso ele seja extinto.
Em março, o IGP-M acumulava alta de 31,1% em 12 meses, enquanto o IPCA subiu 6,10% no mesmo período. Assim, um aluguel de R$ 2.000 corrigido pelo IGP-M aumentaria para R$ 2.622, já pelo IPCA esse valor seria de R$ 2.122 –uma diferença de R$ 500.
A discrepância entre o IGP-M e a inflação já fez com que algumas imobiliárias, como a QuintoAndar, mudassem o índice utilizado como referência nos reajustes.
De autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), o projeto permite correção do valor acima do índice de inflação convencionado apenas se o inquilino concordar.
Na justificativa, o congressista diz que inquilinos “estão desesperados com os índices de reajuste dos contratos de aluguel neste período de pandemia”. Ele destaca que a alta recente do IGP-M em 2020 respondeu a uma aceleração de variáveis como dólar e commodities.
A aprovação da urgência no dia 7 de abril ocorreu em votação simbólica, o que dispensa o projeto de exigências ou formalidades regimentais, acelerando sua tramitação.
A discussão expôs divergências dentro da própria Câmara, com respaldo de partidos de oposição e críticas de legendas de centro e centro-direita.
Quem se opõe à mudança afirma que contratos de aluguel são celebrados a partir de uma relação privada, o que limita a interferência do Estado.
Por esse motivo, o líder do Cidadania na Câmara, deputado Alex Manente (SP), afirma que o projeto é inconstitucional.
“Precisamos amadurecer juridicamente para poder, de fato, aprovar um projeto que tenha viabilidade de ser implementado”, diz o deputado.
Também crítico ao projeto, o líder do Partido Novo na Câmara, deputado Vinicius Poit (SP), afirma que “o congelamento de aluguéis é mais um exemplo de boa intenção com efeitos extremamente negativos”.
“Berlim, na Alemanha, também achou que era solução e viu os preços dispararem e a procura por imóveis diminuir, gerando problemas de habitação”, afirmou. “Precisamos parar de olhar para o que deu errado e prestar mais atenção nos bons exemplos e nas lições que essas políticas públicas executadas ao redor do mundo podem nos trazer.”
Em resposta, o deputado afirma que, apesar de fixar o IPCA como reajuste máximo, o texto deixa a porta aberta para a livre negociação. Se o dono do imóvel não concordar, poderá propor índice superior, mas caberá ao inquilino aceitar ou não.
“Defendemos a livre negociação, mas também não podemos deixar o lado mais fraco dessa relação à mercê das regras do mercado”, indica a justificativa.
O líder do PC do B na Câmara, Renildo Calheiros (PE), está entre os que defendem a proposta. “Neste ambiente econômico em que vivemos de pandemia, não pode o Brasil conviver com os reajustes que estamos vendo”, diz. “O projeto tem o mérito, ao menos, de colocar uma referência razoável para esses reajustes.”
Na mesma linha, o líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral ( PE), afirma que a pandemia aprofundou as desigualdades no acesso à moradia.
“Houve um claro aumento da população de rua em função da vulnerabilidade social. É preciso adequar a legislação para, onde for possível, estabelecer regras de transição que procurem preservar o direito à moradia”, disse.
No setor imobiliário, o projeto é visto como engessamento. “Isso é um absurdo. Estamos voltando ao tempo da tabela, de congelamento de preços. Essa interferência do Legislativo no acordo privado é completamente desnecessária”, diz Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP (sindicato da habitação).
Segundo ele, a negociação quanto ao reajuste já está acontecendo entre as partes.
Sartori afirma ainda que a aprovação do projeto poderia criar insegurança jurídica. “Isso afasta investidores. Eles não se sentem confortáveis com esse tipo de medida, com esse tipo de interferência”, diz.
“O maior problema é a interferência governamental numa relação privada.”
Ele critica também a escolha do IPCA para reajustar aluguéis, porque não seria um índice que captura a realidade do mercado imobiliário.
“O grande desafio de desenvolver um índice de aluguéis é que tem de considerar variações regionais e o nicho de mercado. Uma coisa é relação de oferta e demanda no mercado residencial, outra no galpão e logística e uma terceira em comercial ou shopping center”, diz. “Não dá para adotar um índice que capta variação de mercado olhando só para nicho ou região.”
Thiago Lins, sócio conselheiro do Bichara Advogados, destaca que a Lei do Inquilinato, de 1991, não define um índice de correção monetária.
O texto diz ser livre a convenção do aluguel quanto a preço, periodicidade e indexador de reajuste, e proíbe que seja vinculado à variação do salário mínimo, variação cambial e moeda estrangeira.
“O problema é que o mercado imobiliário tem como praxe usar o IGP-M, que bateu 31% em 12 meses”, diz. “Gerou uma realidade que não está de acordo com a inflação brasileira.”
Segundo ele, está havendo negociação entre proprietários e inquilinos para tentar ajustar um índice que atenda as duas partes.
“O Legislativo tem de tomar cuidado para não engessar o mercado imobiliário e prever substituição do IGP-M, que nem sequer está previsto na lei de locação, por um índice como o IPCA”, diz. “Tem de tomar cuidado para não deixar as partes sem poder de negociar o índice que elas entendem ser mais adequado.”
Fonte: Folhapress