Em atrito com a Polícia Federal por causa da apreensão recorde de madeiras, no Pará, Ricardo Salles (Meio Ambiente) diz à reportagem que uma “demonização” indevida do setor vai contribuir para aumentar o desmatamento ilegal.
O ministro critica a demora para a investigação ser concluída e afirma que as informações dos empresários são “coerentes de não haver a propagada ilegalidade.”
“Será talvez a primeira vez na história que um grupo que dá as caras pode ser chamado de organização criminosa. Mas isso quem vai dizer é a investigação. Não tem sentido a gente não ter resposta conclusiva depois de cem dias de apreensão do material”, diz Salles.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo na segunda (5), o chefe da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva, disse o oposto: que todo o material apreendido é produto de crime e que as investigadas não são empresas, mas uma organização criminosa.
O ministro foi pela segunda vez ao local da ação policial nesta quarta-feira (7). A primeira visita foi o estopim do atrito com a polícia. A reportagem acompanhou a viagem a convite do ministério.
Depois de um sobrevoo de helicóptero e parada em um dos pátios com os produtos apreendidos, ele foi a uma reunião em um hotel em Santarém, a um encontro entre a PF e proprietários de madeira, para entrega de documentos requisitados pela investigação.
No local, empresários apresentaram cópias dos papéis e apelaram pela liberação do material apreendido. Eles dizem que as madeiras podem estragar e que podem falir.
O chefe da perícia do Amazonas, um delegado e um escrivão estavam presentes. Eles receberam os documentos, mas fizeram um registro: as milhares de folhas entregues não têm validade para fins de investigação.
Os policiais que estavam na reunião descartaram a possibilidade de colocar uma data para finalizar o processo de apuração. Ainda assim, Ricardo Salles fixou prazo de uma semana para que investigadores apresentem as ilegalidades mencionadas ou libere o material.
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Pergunta – Essa é a segunda vez que o sr. foi ao Pará para fazer verificação da investigação da Polícia Federal. Por que o sr. está fazendo isso?
Ricardo Salles – O governo recebeu através dos ministérios da Justiça, Secretaria de Governo e Meio Ambiente um grupo de senadores e deputados acompanhados de proprietários. Eles cobraram uma resposta rápida. É obrigação do governo encontrar resposta célere.
Isso não é uma interferência? O sr. falou em falhas na investigação e cobra rapidez.
RS – Não entrei em detalhes da investigação. O que me parece é que as informações [dos empresários] são bastante coerentes de não haver a propagada ilegalidade. Mas não estou fazendo juízo de valor. A nossa posição é que não pode ter insegurança jurídica.
O sr. disse na entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que parecia ter erros na investigação. O que faz o sr. achar que as empresas estão certas?
RS – A presunção no setor público quando há documentos é de legalidade. No momento em que eles levam a escritura de propriedade da área, os planos de manejo, as autorizações para cortes, a presunção é de legalidade e não de que seja uma grande organização criminosa. Não me parece que é o caso.
O delegado Alexandre Saraiva, chefe da PF do Amazonas, disse à Folha de S.Paulo que trata-se de uma organização criminosa. Por que o sr. coloca em dúvida isso?
RS – Recebemos hoje [quarta-feira] na presença da imprensa, da Polícia Federal, do Ibama, do ICMBio e da secretaria do Pará os proprietários das áreas, que apresentaram documentos. O engenheiro florestal responsável pelos planos de manejo assinou uma declaração atestando a veracidade dos documentos. Isso não é uma atitude comum a um grupo que pode ser chamado de organização criminosa.
Será talvez a primeira vez na história que um grupo que dá as caras pode ser chamado de organização criminosa. Mas isso quem vai dizer é a investigação. Não é um juízo de valor jurídico. Mas não tem sentido a gente não ter resposta conclusiva depois de cem dias de apreensão do material.
Por que só depois de cem dias as empresas apresentaram as cópias desses documentos?
RS – Segundo a explicação que foi dada pelos empresários, porque os investigadores não pediram a eles, mas pediram para a secretaria do Pará, sob o argumento de que não conseguiram achar os documentos. Hoje [quarta-feira], curiosamente, o secretário do Pará e as empresas falaram que os documentos apresentados foram retirados dos próprios processos na Secretaria do Meio Ambiente do Pará. Portanto, os documentos estavam lá. Há uma inconsistência de informações. Essa talvez seja a principal queixa dos proprietários, que queriam apresentar documentos, mas não lhes foi dada a oportunidade.
O sr. deu um prazo de uma semana para que os peritos apresentem os laudos em relação à documentação. Os peritos disseram ao sr. ali que não era possível dar prazo. Por que o sr. fixou um prazo?
RS – Foi uma sugestão. Parece razoável por dois motivos. Primeiro, foi confirmado na reunião que todos os documentos necessários foram apresentados. E, segundo, é a maior força-tarefa ambiental em termos de quantidade de peritos. Considerando que isso já está sendo analisado há cem dias, nos parece que uma semana é razoável.
Ouvi de pessoas da polícia que o trabalho pode demorar meses. Os proprietários não entregaram documentos originais, apenas cópias, que não têm validade para fins de investigação. A polícia ainda vai ter que acessar as versões originais no Pará. Como fazer isso em uma semana?
RS – Veja, o secretário do Pará já disponibilizou a chave [do sistema digital] para a PF acessar os originais. Os documentos não são de alta complexidade. São escrituras de propriedade, inventário florestal, planos de manejo. Se as cópias corresponderem ao original, não são documentos que exigem análises de grande profundidade.
Essa não é a primeira vez que existe embate de empresários com a Polícia Federal. As disputas envolvem o delegado Saraiva, que é chefe de superintendências há dez anos na região. O sr. acha que a PF está equivocada?
RS – Acho que a PF faz um grande trabalho. O Brasil reconhece isso. É preciso tomar cuidado para que visões pessoais, preconceitos pessoais não sobreponham análise independente de isonomia dos trabalhos. O setor, se for demonizado e criminalizado indevidamente, vai colocar muitas pessoas em situação de fragilidade econômica ainda maior, só vai contribuir para aumentar o desmatamento ilegal na região.
Sobre a possibilidade de as empresas quebrarem, que é o que sr. está falando, o delegado Saraiva diz que ou se faz um país baseado na lei ou se faz baseado no crime. O sr. concorda?
RS – A lei é para todos. Inclusive para quem tem a incumbência de fazê-la cumprir. Por isso existe a lei de abuso de autoridade. A legislação deve ser observada por todos, com bastante bom senso e equilíbrio. Existe o devido processo legal. A imparcialidade é fundamental nessas horas.
No pátio de madeiras, o sr. me mostrou madeiras que, em tese, estão deteriorando e não teriam mais o mesmo valor. Os empresários argumentam isso para reclamar. O sr. tem comprovação disso e o que pode acontecer com elas?
RS – Há um ditado que a justiça que tarda também falha. A madeira está exposta a intempéries há mais de cem dias, claramente estragando, com brocas e fungos. Depois do período de chuvas, que é quando os rios estão cheios, não se poderá transportar essa madeira, ainda que se reconheça a legalidade depois. Por isso, é preciso uma resposta rápida.
O delegado disse que é a primeira vez que ele vê um ministro do Meio Ambiente se colocar contra uma ação de preservação da floresta amazônica. Como o sr. vê isso?
RS – Se a ação estiver correta, e não houver reparo a ser feito, a ação será apoiada por nós e eu serei o primeiro a apoiar. Mas se realmente for reconhecido que há equívoco e excesso e que as empresas não deveriam ter tido a atividade econômica restringida, essa ação será contrária à preservação do meio ambiente, porque você vai quebrar pessoas que trabalham de maneira honesta e vai jogar toda a região para a ilegalidade, aumentando o desmatamento ilegal.
O sr. usa a ênfase dada pelos empresários para dizer que eles podem ter razão. A PF está dizendo de forma tão enfática quanto que se trata de uma organização criminosa. Por que olhar de maneira mais solidária à argumentação dos empresários e não para a da polícia?
RS – Nossa crítica não é sobre o que a polícia está dizendo, mas, sim, sobre a ausência de uma posição definitiva sobre o assunto, seja pela legalidade ou ilegalidade. A pior situação para esse caso é a não resposta.
O delegado diz que não vai passar boiada na PF. Esse foi um termo usado pelo sr. na reunião ministerial. Como o sr. vê hoje a frase que disse um ano atrás?
RS – A minha frase foi retirada de contexto. Era uma reunião interna, chamando a atenção para excesso de burocracia que tem no Brasil, em todos os ministérios. Continuo entendendo que excesso de barreiras atrapalha a melhoria do país, inclusive no meio ambiente.
E sobre a declaração dele, qual a sua opinião?
RS – Totalmente descabida, para um delegado da Polícia Federal falar de um ministro de Estado.
O sr. acha que é possível estar na mesma frase a necessidade de preservação do meio ambiente e a defesa de afrouxar normas, que, nas suas palavras, burocratizam o Brasil?
RS – A frase é racionalidade, bom senso, desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Essas palavras resumem a necessidade.
Fonte: Folhapress