Quem já visitou um mercado público, sabe do burburinho e da diversidade de produtos e histórias que ele pode guardar. Na cidade de Granja, a 328 Km de Fortaleza, uma dessas estruturas viu o movimento arrefecer na pandemia, especialmente durante o lockdown, e o artista visual Negrosoousa, 25 anos, um filho da terra, resolveu registrar em imagens a nova dinâmica. O trabalho resultou na exposição virtual “BARRACAS”, que estará disponível no próximo dia 14 de maio.
Por ter nascido e crescido naquele ambiente, Negrosoousa já tinha estabelecido uma relação afetiva com a construção.
Eu circulava muito pelos espaços do mercado, até me dar conta de que havia um chamado dele à apreciação. Eu aceitei o convite e comecei a analisá-lo”, conta.
Segundo o artista, o mercado de Granja foi construído na grande seca de 1877, quando houve um repasse de verbas do governo imperial para compra de alimentos e, a partir daí, construções de prédios como esse foram realizadas. “É uma estrutura secular, com poucos registros ou documentos, mas que por si só, expressa a força através do tempo e é algo que me gera energia”, observa.
As pessoas da cidade conhecem o espaço simplesmente por mercado e vão até ele diariamente em busca de produtos naturais (frutas, ervas, medicinais), comércio de carne e derivados, e produtos industrializados (alimentos, roupas, acessórios e utensílios do lar). Mas, diante de protocolos sanitários necessários para conter a transmissão da Covid-19, o cenário mudou.
Dinâmica da pandemia
Com 74 óbitos registrados em Granja desde que teve início a pandemia, conforme dados do IntegraSUS colhidos nesta segunda-feira (10/5), fez-se necessário que as atividades só operassem conforme as medidas decretadas pela Prefeitura ou pelo Governo. Atualmente, há uma certa flexibilização e as pessoas já podem fazer uso das estruturas, mas, no ápice das ondas de contaminação, segundo Negrosoousa, não houve operação.
E foi exatamente nesse período mais crítico que ele começou a fotografar. “As fotos foram feitas entre fevereiro e abril, tive vários dias de circuito no espaço. Um fato interessante é que tive o espaço totalmente vazio, devido ao cenário de lockdown e, com isso, pude ter um campo experimental todo à minha disposição”, lembra.
A intenção dos registros, segundo ele, é mostrar a arte que se faz a partir do mercado, a arte que se expressa quando somente o mercado fala – sem circulação de pessoas.
Até a finalização do projeto, Negrosoousa contabilizou 105 estruturas. “Importante aqui comentar que as barracas são a principal forma de sustento das inúmeras famílias que ali estão. São um objeto de força e resistência, cada um do seu jeito, componho o grande espaço do mercado”, reforça Negrosoousa.
Exposição
A imersão do artista resultou em um conjunto de 21 fotos. A exposição “BARRACAS” ficará disponível em uma plataforma denominada Galeria N, com design criado também pelo artista e acesso disponível em sua conta no Instagram, no perfil @negrosoousa.
O conjunto da obra traz um recorte estrutural do espaço, que coloca à disposição do visitante expressões geométricas espaciais em combinação com as cores vibrantes que marcam o local. Tais construções visuais foram feitas de forma manual com o auxílio de uma câmera digital.
Três propostas centrais envolvem esse trabalho, segundo Negrosoousa. “A primeira é o contato mais calmo com o olhar. Normalmente você nota um grande volume de informação no espaço e processar ele pode demorar um pouco. Organizar essa informação foi meu primeiro trabalho”, introduz.
“A segunda é mostrar o que é expresso no mercado de Granja. Há uma disposição geométrica muito interessante no espaço, achei válido atuar nessa linha visual e trazer esse traço único à tona. A terceira é dispor às pessoas, a possibilidade de se sentirem acolhidas em um espaço que produz e gera sensações tão fortes como o mercado – minha forma de expressar isso foi trazendo esse material”, detalha.
Impacto social
Desenvolvida com recursos próprios, a exposição reflete ainda um desejo maior de Negrosoousa: que este trabalho seja reflexo para que todas as pessoas que tem um lugar para chamar de seu possam tomar posse dele para afirmar sua identidade.
Vivemos em um estado tão rico de signos e singularidades, seria muito gratificante ver outras pessoas tomando essa exposição como base de diálogo para esse debate tão importante”, afirma.
Além disso, o artista também espera que esse material possa chegar, dentro do possível, às casas de ensino, onde se possa debater informação com o apoio visual e possibilitar o imaginário. “Nós estamos fazendo o possível para criar um amanhã mais confortável”, conclui.
Serviço
Exposição BARRACAS
De 14 de maio a 15 de junho, na plataforma Galeria N, link no perfil do IG @negrosoousa
Diário de Camocim