Sem recursos financeiros específicos para o combate à Covid-19, sem um direcionamento unificado e enfrentando cortes orçamentários expressivos já há três anos, universidades federais do país se preparam como podem para retomar as aulas presenciais previstas para fevereiro.
Instituições consultadas pela reportagem foram unânimes em afirmar que vão realizar, com frequências variadas, exames contra o coronavírus a quem frequentar suas unidades. Também informam que serão permanentes a disposição de álcool em gel, além de promoverem orientações para o uso de máscara e distanciamento social. A maioria afirmou ainda que vai exigir o passaporte de vacina.
Com o recrudescimento da pandemia com a variante ômicron, porém, o retorno presencial às aulas pode ser afetado. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul , por exemplo, já adiou suas aulas, inicialmente marcadas para 17 de janeiro, para 7 de fevereiro. A Federal do Paraná também postergou em duas semanas o retorno presencial, agora previsto para 14 de fevereiro. As aulas terão início dia 31 deste mês, mas de forma virtual.
Outras universidades, por enquanto, irão manter datas já previstas, em geral, para meados de fevereiro.
A Universidade Federal do ABC informou que não recebeu nenhum recurso específico destinado ao combate à pandemia, mas que usou verba que dispunha para investir em pesquisas sobre coronavírus e para melhorar a segurança sanitária de suas unidades.
Em uma delas, a instituição desenvolveu um autoteste para detectar o coronavírus. Toda semana, 2.000 funcionários e alunos que usarão os laboratórios e colaboradores das duas unidades – normalmente, são 16 mil – vão se submeter ao exame simples, que consiste em colocar um cotonete na boca.
“Parece um pirulito. Quando ele fica molhado com a saliva, o colocamos num pote, fechamos e o depositamos em uma das urnas espalhadas pela universidade”, afirma Simone Aparecida Pellizon, 39, prefeita universitária da UFABC.
Cada autoteste, segundo Simone, custa R$ 20. “É realmente barato se comparado a outros exames, e os resultados têm a mesma eficácia, já que houve comparação com os testes padrões.”
De acordo com Márcia Sperança, bióloga, pesquisadora e docente associada da UFABC, todos os itens que compõem o kit são registrados na Anvisa, que ainda discute a regulamentação do autoteste.
A instituição pretende usar o autoteste para mapear o comportamento da Covid-19 dentro da universidade num momento em que mais pessoas frequentarão seus prédios e, com isso, assegurar a possibilidade de tomar medidas efetivas para combater o vírus.
Já na Federal da Bahia, a orientação é que apenas profissionais e estudantes com ciclo vacinal atualizado poderão frequentar atividades presenciais. Estudantes do grupo de risco poderão cursar disciplinas excepcionalmente oferecidas remotamente.
A Federal do Pará também vai adotar o passaporte vacinal, inclusive no momento de fazer a matrícula. A instituição não prevê, porém, aulas remotas para estudantes do grupo de risco.
“O entendimento do grupo de trabalho da UFPA é de que, com a vacinação completa, pertencer a grupo de risco não é impeditivo de participação nas atividades presenciais. Há, porém, casos especiais que em qualquer cenário garantem uma programação diferenciada”, informou a universidade.
Mas a instituição paraense coloca em xeque as aulas presenciais durante todo o ano por causa do corte no orçamento. “Ainda não temos uma solução financeira para garantir o funcionamento presencial ao longo de todo o ano de 2022.”
Entre outras ações, a Universidade Federal do Rio de Janeiro lançou a plataforma Espaço Seguro, sistema para classificação dos espaços da instituição com relação ao risco de contágio do SARS-CoV-2.
Mas a infraestrutura da universidade fluminense precisa se adequar melhor para o retorno presencial, segundo a reitora, Denise Pires de Carvalho.
“Há muitas salas e laboratórios de aulas práticas sem condições de uso devido à pandemia, como espaços em subsolos, sem ventilação, além de banheiros que precisam de reformas.”
A instalação de um ponto de testagem e de vacinação para Covid-19 foi uma das ações citadas pela Universidade Federal do Espírito Santo, que vai exigir passaporte de vacina no retorno às aulas.
Com o objetivo de rastrear contatos, monitoramento e busca ativa de infectados e em isolamento, a Universidade Federal do Paraná desenvolveu um aplicativo, conta o pró-reitor de Administração, Marco Antonio Ribas Cavalieri.
“Também temos protocolos de prevenção, instruções de uso de espaços físicos e testagem de RT-PCR”, afirma ele.
Mesmo com os cortes no orçamento, que já ocorrem desde 2016, e o aumento das demandas científicas e gastos extras por causa da pandemia, as universidades estão conseguindo se manter, mas a situação é bastante complicada, diz Soraya Smaili, farmacologista professora da Escola Paulista de Medicina, ex-reitora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenadora do Centro SoU_Ciência, da instituição de ensino.
“Essa situação é terrível. As federais dependem da aprovação do orçamento e, ainda, temos um governo que não reconhece o papel das universidades, que se mostraram tão fundamentais nesta pandemia, e não dá apoio, realmente”, diz a especialista, fazendo referência à administração do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A Universidade Federal de Santa Catarina é uma das instituições prejudicadas com menos verba e afirma em nota, validando o que foi dito por Soraya, que seu orçamento manteve valores sem correção e com cortes, “como tem ocorrido há alguns anos”.
A instituição de ensino catarinense conta que conseguiu remanejar, dos recursos de custeio, utilizados em outras despesas –como diárias e passagens– e destiná-los às ações de segurança sanitárias.
Já a Federal do Ceará ainda prepara documento de orientação sobre o retorno e só irá se posicionar após finalização. A instituição também aguarda a aprovação do orçamento. Em 2021 a verba para ações relacionadas à Covid-19 foi de R$ 4 milhões.
Em Minas Gerais, a UFMG vai manter as medidas de segurança como uso de máscaras, distanciamento social, higiene das mãos e ventilação dos ambientes. A ocupação será 100% presencial para funcionários e estudantes. O início das aulas está previsto para o dia 26 de março.
O MEC (Ministério da Educação), em nota, afirma que em função da autonomia das instituições federais de ensino superior, cabe a elas a gestão e destinação dos créditos orçamentários, podendo, inclusive, solicitar eventuais alterações orçamentárias, caso seja necessário.
A nota segue informando que o orçamento para 2022 ainda está em tramitação. O MEC afirma que disponibilizou o protocolo de biossegurança para retorno às atividades. Questionado sobre os cortes, o ministério não respondeu.
Procuradas, as universidades federais de São Paulo, Mato Grosso e Pernambuco não responderam à reportagem.
Realidade das estaduais paulistas USP, Unesp e Unicamp, universidades ligadas ao governo paulista, receberam recursos específicos para adotar medidas sanitárias. Em outubro do ano passado, o governo de João Doria (PSDB) anunciou o repasse de R$ 1 bilhão em crédito suplementar para as três instituições.
Só na Unesp, foram investidos cerca de R$ 245 milhões em melhorias na infraestrutura, promoção à saúde e apoio aos alunos, no contexto da pandemia, segundo a universidade.
A Unesp afirma, ainda, que também desenvolveu um teste por meio de saliva para aplicar no retorno às aulas – também colhido pelo próprio paciente e depois enviado ao laboratório – e criou um sistema online onde os alunos devem anexar o comprovante de vacinação contra a Covid-19.
A USP e a Unicamp afirmam que não vão realizar testes de Covid-19 como parâmetro para o retorno às aulas presenciais.
As universidades estaduais têm autonomia e maior capacidade de manejar seu orçamento, sem depender de aprovações, explica a professora Soraya Smaili.
“Essas instituições têm a possibilidade de fazer um planejamento com mais recursos, então elas têm mais apoio do estado para fazer um planejamento maior”, afirma a ex-reitora da Unifesp.
Fonte: Folhapress