O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, esclareceu que os valores apurados pela Justiça Eleitoral em processos criminais devem ser destinados à União, exceto nas previsões específicas da legislação penal, como as de transação penal e suspensão condicional do processo.
Além disso, o magistrado argumentou que apenas as multas e penalidades pecuniárias decorrentes da legislação eleitoral podem ser revertidas ao Fundo Partidário. E declarou que recursos decorrentes de acordo de não persecução penal não podem ter destinação a entidade indicada por magistrado, conforme o artigo 28-A, IV, do Código de Processo Penal.
Em fevereiro de 2021, Alexandre concedeu liminar para determinar que cabe à União a destinação de valores decorrentes de condenações criminais, colaborações premiadas ou outros acordos, desde que não haja vinculação legal expressa. Na ocasião, o magistrado proibiu o Ministério Público de gerir esses valores.
Quatro meses depois, o ministro explicou em que casos a decisão não se aplica. Alexandre lembrou que a liminar exclui hipóteses legais que prevejam diretamente a destinação específica dos valores ou bens provenientes de condenações ou acordos.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) apresentou embargos de declaração e o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal de Justiça pediram esclarecimentos adicionais sobre o alcance da decisão.
Alexandre de Moraes ressaltou que, se não houver previsão legal de destinação dos recursos provenientes de condenação ou de acordos, os valores devem ser repassados à União, em respeito à previsão geral do Código Penal (artigo 45, parágrafo 1º) e “para que haja absoluto respeito ao devido processo orçamentário”.
No âmbito da Justiça Eleitoral, deve ser aplicado o mesmo entendimento, avaliou o ministro. Assim, em processos criminais, a Justiça Eleitoral deve destinar os valores à União, salvo nas exceções legais, como nos casos de transação penal e suspensão condicional.
Diferentemente da previsão do parágrafo 1º do artigo 45 do Código Penal, o artigo 28-A, inciso IV, do Código de Processo Penal autoriza que o magistrado indique a prestação pecuniária a determinada entidade pública ou de interesse social, segundo Alexandre. Dessa maneira, a aplicação desse dispositivo não está alcançada pela liminar.
Exceções à liminar
A liminar, explicou Alexandre de Moraes em junho de 2021, não altera as modalidades de Justiça consensual estabelecidas pela Lei 9.099/1995. Na transação penal, por exemplo, a lei autoriza o magistrado a aplicar imediatamente pena restritiva de direitos ou multas, a serem especificadas na proposta. Além disso, na suspensão condicional do processo, a norma permite que o Judiciário especifique outras condições às quais a suspensão fica subordinada, desde que adequadas ao fato e à situação do acusado.
Da mesma forma, a decisão não se aplica ao trecho da Lei 9.605/1998 que autoriza o juiz a fixar prestação pecuniária direcionada à vítima ou a entidades com fins sociais.
Por fim, Alexandre explicou que há previsão legal específica para destinação de recursos oriundos de condenações criminais proferidas no estado de São Paulo.
Isso porque tal autorização segue a Resolução 154/2012 do Conselho Nacional de Justiça, bem como a Lei estadual 9.171/1995, que institui o Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo, financiado com receitas do Fundo Penitenciário Nacional e das multas penais aplicadas pelo Judiciário paulista.
Vinculação indevida
Na liminar de fevereiro de 2021, ministro observou que os pedidos feitos na ação ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) se baseiam na alegada extrapolação, pelo Ministério Público, de suas atribuições legais no tocante à destinação dos recursos provenientes de condenações judiciais.
Segundo ele, informações trazidas aos autos, em especial pela Advocacia-Geral da União, autorizam e recomendam o implemento de medida que coíba a destinação ou a vinculação indevida de recursos públicos por órgãos ou autoridades sem competência constitucional para tanto.
De acordo com Alexandre, as condutas de órgãos e autoridades públicas noticiadas na ação, como a definição da alocação de recursos públicos por vontade própria e sem autorização legal ou o condicionamento da transferência desses recursos ao erário à posterior vinculação em ações governamentais específicas, estão em flagrante desrespeito aos preceitos fundamentais da separação de poderes, às garantias institucionais do Ministério Público e às normas constitucionais e legais de Direito Orçamentário e Financeiro.
Segundo o ministro, apesar das boas intenções de magistrados e membros do Ministério Público ao pretender destinar os recursos a projetos sociais e comunitários e ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, é necessário respeitar os limites estabelecidos pela Constituição Federal (artigo 129) e a expressa atribuição ao Congresso Nacional para deliberar sobre a destinação das receitas públicas (artigo 48, inciso II).
Alexandre de Moraes salientou que a homologação de acordo, nos autos da ADPF 568, para a destinação de recursos oriundos da “lava jato” ao combate ao desmatamento e à Covid-19, não constitui precedente em favor da possibilidade de que órgão judiciário determine a alocação ou a vinculação de recursos públicos.
Segundo ele, a excepcional resolução da questão naqueles autos dependeu da efetiva participação de todos os poderes, órgãos e autoridades com competência constitucional para a alocação de receitas públicas. “E, em última análise, a destinação ali acordada somente se tornou efetiva com a aprovação dos atos normativos apropriados pelo Congresso Nacional”, assinalou.
De acordo com o relator, a autonomia financeira concedida pela Constituição ao Poder Judiciário e ao Ministério Público representa garantia institucional de duplo aspecto: de um lado, garante que as atividades institucionais desses órgãos sejam financiadas por impositivo constitucional e legal; e, por outro, impede que o financiamento ocorra à margem da legalidade e do orçamento público, comprometendo sua independência institucional.
“Assim, as receitas oriundas de acordos de natureza penal, como toda e qualquer receita pública, devem, ao ingressar nos cofres públicos da União, ter a sua destinação a uma específica ação governamental definida por lei orçamentária editada pelo Congresso Nacional, em conformidade com os princípios da unidade e da universalidade orçamentárias (artigos 165 e 167 da Constituição)”.
Fonte: site ConJur.