'Salinha do orçamento secreto' foi aberta por Arthur Lira
PAULO SERGIO/CÂMARA DOS DEPUTADOS - 05.04.2022Num corredor sem janelas de um prédio anexo à Câmara funciona o mais novo centro de peregrinações de deputados e assessores atraídos por verbas do orçamento secreto. O presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), abriu, no 2º pavimento, uma sala com equipe destinada a atender a pedidos de emendas voltadas a redutos eleitorais de parlamentares, especialmente da base aliada do Palácio do Planalto. O espaço é chefiado por uma assessora direta do político alagoano.
A "salinha do orçamento secreto" ocupa o número 135 da Ala B do Anexo II, também conhecido como "corredor das comissões". É nesse prédio que funcionam as comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Orçamento e Direitos Humanos, entre outras.
A rotina no espaço foi agitada. Nas tardes de quarta (29) e quinta-feira (30) passadas, a reportagem registrou filas de pessoas à espera de atendimento. Anteontem, o alto movimento contrastava com um Congresso às moscas. Deputados e assessores corriam para liberar as verbas antes do prazo da Lei das Eleições, que determina que os empenhos (autorizações para o pagamento das verbas) devem ser suspensos a partir deste sábado (2).
É consenso entre técnicos de órgãos de controle e especialistas em recursos públicos que o orçamento secreto se constituiu numa modalidade de destinação de verbas sem critérios técnicos ou mesmo vínculos com políticas públicas. A liberação dos recursos não é igualitária entre parlamentares e prioriza interesses eleitorais da base do governo. Sem transparência, o dinheiro escapa de fiscalizações.
Embora o orçamento secreto esteja normalizado no Congresso a ponto de ter sala própria, a existência da emenda está longe de ser unanimidade: tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação que questiona o dispositivo.
O espaço evidencia o poder de Lira sobre a liberação desse tipo de verba, que soma R$ 16,5 bilhões em 2022. Formalmente destinados pelo relator do Orçamento, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), os recursos, na prática, são alocados com base em uma negociação entre Leal, Lira e os líderes.
O guia de ramais da Câmara registra que há seis servidores da presidência da Casa despachando na "salinha do orçamento secreto", descrita na publicação como "assessoria do presidente". Uma delas é Mariângela Fialek, conhecida entre os deputados pelo apelido de Tuca e considerada uma espécie de "gerente" do orçamento secreto.
"Tem 20 pessoas na minha frente, inclusive oito deputados", dizia ao telefone uma assessora parlamentar anteontem — o deputado para quem ela trabalhava precisou trocar o município beneficiado em uma de suas emendas. Naquele momento, havia sete assessores na fila em frente à porta da sala e outros cinco sentados nas cadeiras da "recepção" da sala. Alguns deputados também foram diretamente ao local — eles têm prioridade em relação a assessores.
Anteontem, os deputados Ottaci Nascimento (Solidariedade-RR) e Nelho Bezerra (União Brasil-CE) frequentaram o local. "Na verdade, é por causa do período eleitoral [a visita à sala 135]. Estamos correndo para entrar na campanha com tudo resolvido", disse Ottaci à reportagem.
Em maio passado, ele foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral por ter distribuído cestas básicas antes da disputa pela prefeitura de Boa Vista. A defesa do deputado recorreu e alegou tratar-se de uma ação destinada a ajudar pessoas atingidas pela pandemia.
Já Nelho Bezerra destinou emendas para ações de cirurgias de catarata e compra de ambulâncias. Ele ressaltou que os municípios de sua base eleitoral, no interior do Ceará, não têm hospital — por isso a opção pelas ambulâncias. "Porque, pelo menos assim, as pessoas podem ser socorridas para receber atendimento", disse o deputado.
A "salinha" começou a funcionar em abril, mas o movimento se intensificou nos últimos dias. A liberação de recursos do orçamento secreto foi acelerada após a operação da Polícia Federal que prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. Só nos dias 23 e 24 de junho, que se seguiram à prisão, foram liberados R$ 3,2 bilhões.
"O desespero eleitoral leva ao desatino fiscal. As emendas de relator fazem parte do vale-tudo eleitoral. Se as emendas de relator continuarem a ser liberadas da forma com que são executadas no período pré-eleitoral, teremos as eleições mais injustas de toda a história", disse o economista Gil Castello Branco, fundador da Contas Abertas.
Procurado, Arthur Lira não respondeu. Hugo Leal também não atendeu às tentativas de contato da reportagem. O relator da PEC no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também não respondeu à reportagem.
R7