A cidade de Santa Quitéria, no interior do estado, tem se destacado a nível nacional por abrigar a maior reserva de urânio do Brasil. O urânio é um minério que pode ser utilizado para gerar energia através da exploração nuclear. Em junho deste ano, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados chegou a realizar uma audiência pública para discutir as vantagens e desvantagens de tais projetos em Santa Quitéria.
Na audiência, o deputado Denis Bezerra detalhou que o projeto teria investimentos previstos de R$ 2,3 bilhões e produziria também cerca de 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados e 220 mil toneladas de fosfato bicálcico destinados à agropecuária do Norte e Nordeste, uma vez que pesquisas comprovaram que o urânio da região está ligado ao fosfato, que é utilizado no agronegócio de fertilizantes e ração para animais.
No entanto, para o biólogo e vereador de Fortaleza, Gabriel Aguiar, os impactos ambientais que serão causados na região são graves demais. “A área a ser explorada hoje é uma área preservada de caatinga nativa. É uma vegetação exuberante, de um bioma que hoje conta com 86 espécies ameaçadas de extinção, sendo 46 endêmicas”, detalha. De acordo com ele, a zona também possui cavernas milenares com diversidade típica, além de ser a nascente de rios importantes do Ceará. “Ainda sem falar de urânio, quando falamos apenas de mineração, implica em explodir as cavernas, devastar áreas enormes da caatinga preservada e devastar com poluição como com o acúmulo de rejeitos essa área de biodiversidade”, pontua.
O biólogo também afirma que existe um impacto notável sobre o consumo de água. “Quando há períodos de seca, a população de Santa Quitéria só consegue em torno de 30 carros-pipa por mês, enquanto essa exploração exige aproximadamente 150 carros-pipa por hora”, explica. “O esvaziamento dos recursos hídricos também é um impacto ambiental e social grave desse investimento”.
Aguiar lembra que o urânio é um material radioativo e que a emissão de partículas desse tipo tem a capacidade de alterar o DNA de seres vivos e causar mutações. “A gente está falando de câncer, causa inúmeros tipos de câncer nas pessoas que têm uma exposição prolongada seja por meio da água que bebem, seja por inalar o pó dessa mineração, ou até pelo consumo de animais que porventura estejam contaminados”. De acordo com o biólogo, quanto mais nova for a pessoa, mais intensos são os impactos radioativos, uma vez que as células estão se dividindo mais. “Os mais afetados com tudo isso são as crianças que ainda estão no útero das mães”, afirma.
Para defender seus pontos, Gabriel Aguiar lembra do caso de Caetité, na Bahia. “É realmente devastador os índices de câncer nas cidades que têm exploração do urânio, a citar Caetité que o câncer aumentou em 30% nas comunidades de área explorada”, detalha. O biólogo chama atenção também para o fato de que o urânio será armazenado no Porto do Pecém, próximo de Fortaleza e o fosfato no Porto do Mucuripe, podendo afetar também outras áreas, uma vez que o pó do minério também pode percorrer dezenas de quilômetros pelo ar.
De acordo com Aguiar, esta é a quarta tentativa de licenciar o projeto. “Em todas as outras vezes ele foi barrado por não haver qualquer justificativa plausível para a exploração de tamanho impacto ambiental. Nesse momento, é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) que está avaliando a viabilidade do projeto”, conta.
O biólogo afirma que o projeto poderia ainda trazer prejuízos econômicos para o município de Santa Quitéria, que é majoritariamente rural. “A exploração de urânio significa a ampla contaminação de recursos hídricos e de plantações. Como a cidade vende vegetais e animais para o entorno, ou você leva o município inteiro à falência por desemprego ou, os empregos são mantidos, e as pessoas passam a vender material com grandes chances de estarem contaminados”, explica.
Opinião popular
Gabriel Aguiar relembra que o estado do Ceará já se manifestou diversas vezes contrário ao projeto. Parte da população de Santa Quitéria, por sua vez, também não se mostra favorável à ideia. “A gente fica inseguro em relação até mesmo a empreender no local porque a qualquer momento a gente pode perder esse sossego que nós temos”, conta Luís Paulo Santos Sousa, morador do município.
Segundo ele, algumas pessoas já falam em deixar Santa Quitéria. “Juntamente com alguns órgãos, as comunidades se reuniram e fizeram um projeto de lei não para barrar o projeto, mas para proteger mais essas comunidades e, infelizmente, não foi aprovado. A gente tem apenas se organizado para saber de nossos direitos e poder resistir. Os governantes não têm se manifestado contra o projeto, alguns ficam neutros, mas a maior parte é favorável”, conta o morador.
Por Yasmim Rodrigues