Em Barbalha, o casamento coletivo acontece um domingo após o cortejo do pau da bandeira — Foto: Escola de Saberes de Barbalha/Divulgação
No dia 13 de junho, a dona de casa Bárbara Monteiro costumava acompanhar a procissão de Santo Antônio descalça e vestindo roupa branca. Era parte de uma promessa até conseguir realizar o sonho de casar na igreja. Em 2023, ela vai à procissão nesta data para agradecer pelo pedido atendido. Ainda de branco, mas de pés calçados.
Aos 39 anos, Bárbara foi uma das noivas contempladas no casamento coletivo da Festa do Pau da Bandeira. A cerimônia é realizada anualmente na cidade de Barbalha, na região do Cariri cearense, que costuma receber cerca de 500 mil pessoas para os festejos do padroeiro no mês de junho.
A relação com a festa está na história da família de Bárbara. O avô foi um dos primeiros capitães do pau da bandeira, função da pessoa que lidera os “carregadores” do mastro da bandeira de Santo Antônio. O pai, o irmão e o sobrinho também se tornaram carregadores.
Com dois filhos e morando com o parceiro, Bárbara sempre fazia orações e simpatias para conseguir casar na igreja — Foto: Arquivo Pessoal
Quando o pai de Bárbara morreu, os mais novos herdaram a tradição de levar um pedacinho do pau da bandeira para ela no dia em que a árvore é cortada na mata. Todos os anos, a dona de casa preparava o chá casamenteiro da casca do pau, uma das simpatias conhecidas na região para pedir um casamento a Santo Antônio.
“Esse ano, meu sobrinho perguntou se eu ainda precisava da casquinha. Eu disse que não. Mas meu pai sempre tinha esse costume. Ele trazia também o chaveirinho com o santo de cabeça para baixo”, relembra.
A noiva mandou preparar uma moldura com a foto do pai para levar no trajeto até o altar. Foi a forma de homenagear a pessoa que tanto pediu ao santo pelo casamento dela na igreja. Ela morou por 18 anos com o motorista Fabiano Rodrigues, com quem teve dois filhos. Por todo esse tempo, sonhava com a chance de oficializar a união nos ritos católicos.
“No início, ele era da bagaceira”, brinca Bárbara. E todo dia eu pedia a Deus para que ele se afastasse desse mundo”, complementa a noiva, que cresceu frequentando missas e novenas por influência do pai.
O casamento civil foi realizado quando ela engravidou pela primeira vez. No entanto, o companheiro sempre dizia “não” quando ela pedia para casar na igreja. Após uma breve separação em 2015, Fabiano retomou o relacionamento prometendo ter uma nova postura.
Com avô, pai e irmão atuando como carregadores do pau da bandeira, Bárbara tem forte vínculo com a festa — Foto: Arquivo Pessoal
A dona de casa conta a história demonstrando gratidão pelas preces atendidas: o companheiro parou de beber, passou a frequentar as missas de domingo e começou a falar de casamento. Eles só não tinham condições financeiras para realizar uma cerimônia como sonhavam.
No ano passado, ela descobriu que a cidade realizava os casamentos coletivos de Santo Antônio. E conseguiu se inscrever no edital de 2023, com cerimônia marcada para o dia 11 de junho deste ano.
“Quando eu vi meu nome na lista dos selecionados, veio toda a lembrança à tona. Se meu pai estivesse aqui, como seria? Fico imaginando a felicidade dele”, diz, emocionada.
A expectativa de Bárbara para a festa do santo deste ano foi diferente. Em vez de preparar o chá casamenteiro, ela esteve ocupada com as provas de vestido, escolha das alianças e outros preparativos para o casamento na Matriz de Santo Antônio.
Um auxílio no caminho até o altar
O casamento coletivo realizado nos festejos de Santo Antônio do Ceará teve inspiração em cerimônias de Lisboa — Foto: Escola de Saberes de Barbalha/Divulgação
O projeto Noivas de Santo Antônio realiza a cerimônia religiosa para 15 casais que residem em Barbalha e que têm, juntos, renda abaixo de 2 salários mínimos. A iniciativa começou na Festa do Pau da Bandeira de 2017 e teve continuidade garantida com a aprovação de lei municipal em setembro do mesmo ano.
A inspiração veio de Portugal. O cineasta Rosemberg Cariry e a professora Juraci Maia Cavalcante estiveram presentes nos Casamentos de Santo Antônio, realizados em Lisboa desde 1958. Eles sugeriram uma iniciativa semelhante em Barbalha e tiveram a ideia acolhida pelos moradores.
Desde então, a Escola de Saberes de Barbalha (Esba) realiza o projeto anualmente em parceria com a Paróquia de Santo Antônio, Noite das Solteironas, Centro Pró-Memória de Barbalha Josafá Magalhães, Câmara Municipal de Barbalha e Prefeitura Municipal de Barbalha.
A festa acontece sempre no domingo seguinte ao cortejo do Pau da Bandeira. Doações da comunidade e os patrocínios de empresas privadas da região do Cariri providenciam os detalhes para os noivos, como trajes, alianças, maquiagem, bolo e fogos da festa.
Casamentos das Noivas de Santo Antônio
Outro auxílio vem na forma de combustível para o cortejo das noivas. Em carros antigos, elas fazem o trajeto de aproximadamente dez quarteirões entre a Igreja do Rosário e a Matriz de Santo Antônio. Pelas ruas, a população celebra a passagem das 15 noivas.
Nos cortejos, os noivos são recebidos pelos grupos culturais da região, como as apresentações dos reisados e das bandas cabaçais.
O projeto busca trazer uma contribuição social, cultural e religiosa para a cidade de Barbalha e fortalece o período dos festejos de Santo Antônio, conforme explica Jane Lima, voluntária da Esba e uma das organizadoras dos casamentos coletivos.
Ela relata que o número de inscrições cresce a cada ano.
Foram mais de 60 casais interessados no edital de 2023, divulgado em janeiro. Uma comissão organizadora seleciona os casais inscritos após uma fase de entrevistas e análise das documentações.
O amor chegou meses depois das simpatias
Nádia pediu ao santo um bom relacionamento e conheceu o futuro marido meses depois dos festejos — Foto: Arquivo Pessoal
A artesã Nádia Muniz morava na cidade vizinha, Juazeiro do Norte, e costumava frequentar a Festa do Pau da Bandeira. Em 2013, ela resolveu participar das simpatias para o santo casamenteiro pela primeira vez. Não queria necessariamente se casar, mas pedia um relacionamento bom. Estava cansada das experiências ruins.
Era junho quando ela pôs a mão no Pau da Bandeira e tomou o chá casamenteiro em Barbalha. O santo atendeu rapidamente: ela conheceu Frederico pela internet em novembro e passou a morar com ele depois de poucos meses.
“Sabe quando parece que você já conhece a pessoa há um tempão? Quando você acabou de conhecer a pessoa, mas ela é tão benéfica para você, que parece que você conhecia a vida inteira? É o meu caso com ele”, partilha.
Antes de conhecer o atual esposo, Nádia dedicava quase todo o tempo disponível para o trabalho. Ela é formada em zootecnia e atuava como revendedora de ração para cavalos. A chegada de Frederico coincidiu com um tempo em que ela queria desacelerar e ter mais qualidade de vida.
Mesmo morando com o companheiro por alguns anos, Nádia não planejava se casar. Resolveu tentar ter filhos por ser um sonho de Frederico. Quando engravidou de gêmeas, ela começou a pensar em oficializar a união, uma ideia trazida pela sogra. Foi quando ficou sabendo do projeto dos casamentos coletivos, que estava no início.
Em 2017, Nádia e Frederico se casaram na primeira edição da iniciativa. As filhas Bianca e Cecília também estavam presentes, mas na barriga da mãe. Elas nasceram quatro dias depois. Em junho deste ano, as gêmeas e o casamento completam seis anos de idade.
Nádia e Frederico se casaram no primeiro ano do projeto, com cerimônia em junho de 2017. — Foto: Escola de Saberes de Barbalha/Divulgação
Nádia guarda as boas lembranças do casamento coletivo. Como as amizades e a partilha de todas as etapas com as outras noivas. Ela conta que ainda conversa com elas quando se encontram pelas ruas da cidade.
Atualmente, a artesã tem 35 anos e mora em Estrela, distrito de Barbalha. Frederico assume os cuidados como dono de casa e vende, com o auxílio dela, salgados nos fins de semana.
G1 CE