Lideranças denunciam descaso com preservação ambiental em praias do Ceará

Blog do  Amaury Alencar
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Garrafas e restos de comida na Praia do Preá após festa de réveillon neste ano  -  (crédito: Arquivo Pessoal)

Raphael Pati*

Localizadas no litoral norte do estado do Ceará, as praias que integram o Parque Nacional de Jericoacoara são consideradas umas das mais atraentes do Brasil, pela rica biodiversidade e cenários paradisíacos. No entanto, denúncias feitas por moradores, líderes comunitários e empresários que atuam na região têm se tornado frequentes desde o fim do ano passado.

Alguns dos maiores cartões postais de Jeri são as dunas que cobrem boa parte da região. Em uma das festas realizadas no parque — normalmente organizadas por marcas famosas de bebida —, tratores foram utilizados para remover boa parte da areia para fazer um acesso da praça de alimentação do evento para a pista principal.

Para o ambientalista Caio Queiroz, essa atitude pode ser considerada até mesmo um crime ambiental. Mesmo reconhecendo que, na maior parte das vezes, as empresas que organizam os eventos buscam atender às medidas de proteção ambiental necessárias para a realização das festas, ele afirma que, ainda assim, o entorno das comemorações carece de maior fiscalização.

“Na frente de uma área em que atuam alguns ambulantes, eu passei lá depois do réveillon e tinha um monte de lixo jogado no chão nas praias. A galera vai tomando caipirinha nas barraquinhas com copo plástico e jogando no chão. Então, o problema está no entorno desses eventos”, explica o ambientalista.

Um dos empresários que atua na região e preferiu não se identificar ainda reclamou da falta de fiscalização e da quantidade de pessoas que participam das festas em área de preservação. “Tudo é possível. Você tem de 300 a 500 carros na praia, gente que deixa o lixo fora das festas, porque não tem dinheiro para entrar em uma festa que custa R$ 2 mil ou R$ 3 mil por noite ou por pacote, em um lugar totalmente insustentável”, indagou.

Próxima ao Parque Nacional de Jericoacoara, a Praia do Preá também foi afetada pelas eventos de fim de ano. Imagens que mostram a faixa de areia tomada por garrafas de bebida alcoólica e restos de comida após uma festa de réveillon no local viralizaram entre os moradores da região. Eles protestam contra a falta de uma perícia mais efetiva para a concessão de licenciamento ambiental que autoriza a realização de grandes eventos na orla.

Uma denúncia foi feita ao Ministério Público Federal (MPF) no Ceará após as festas de fim de ano, informando que se tratava de área de preservação permanente. A reclamação contestava o curto espaço de tempo para emitir licenças ambientais pela prefeitura sem uma análise criteriosa da sensibilidade ecológica do local, mas foi arquivada pouco tempo depois. Procurada pelo Correio, a prefeitura do município de Cruz, no Ceará, onde está localizada a Praia do Preá, não respondeu.

Lixo jogado em frente a barracas na Praia do Preá, em Cruz (CE)
Lixo jogado em frente a barracas na Praia do Preá, em Cruz (CE)(foto: Arquivo Pessoal)

Condomínios

Além dos eventos de fim de ano, a preocupação de moradores é a construção de novos condomínios na região que, na visão de ambientalistas, podem ser prejudiciais ao ecossistema local. Eles dizem que não houve a realização de estudos de impacto ambiental para a edificação de novos empreendimentos na região. Além disso, há reclamações quanto aos ruídos causados em horários inapropriados.

“Estão desmatando, não estão respeitando as leis e normas ambientais vigentes. Outra coisa é que tem os grandes empreendimentos e tem, também, pequenos empreendimentos. Pequenos empresários estão construindo casinhas de quatro suítes para alugar no verão”, afirma o ambientalista Caio Queiroz. Em 2018, o valor do metro quadrado em Jeri poderia variar entre R$ 1,3 mil e R$ 12 mil, preços parecidos com os de algumas cidades europeias, como Paris e Milão.

Para o ambientalista que acompanha a rotina dos moradores do local, a presença de entulho deixado pelas construções também tem se tornado mais frequente. Ele afirma que muitos empreendimentos não respeitam o plano diretor do local e a capacidade do lençol freático. Por conta disso, há várias queixas sobre a possível contaminação da água que abastece a população de Cruz.

“Falta água. O lençol freático já está todo poluído. Você abre a torneira no Preá e tem ‘cheiro de privada’. Tem água, literalmente, suja, que, da fossa dessas casas, vai para o lençol freático que abastece de água a região. Então é um ciclo negativo. Constrói-se mais do que pode e o sistema de energia da região não suporta”, completa Caio Queiroz.

O empresário que atua no local e não quis se identificar lamenta a falta de uma fiscalização mais efetiva na região contra os possíveis impactos ao meio ambiente da construção de novos condomínios. “O fato de estarem sendo feitos investimentos desregulados, descontrolados, agressivos no Preá está tirando a ocupação dos empreendimentos que estão lá há muito tempo e que respeitaram a natureza, que respeitaram as comunidades locais”, contesta.

Turismo local

Mesmo com a pandemia, as praias de Jeri continuaram fazendo sucesso e mantendo a média de 600 a 650 mil turistas por ano. A inauguração de um aeroporto em Jijoca de Jericoacoara, que fica a cerca de 300km da capital do estado, Fortaleza, fez com que o número de visitantes aumentasse em 7% nos primeiros meses. A expectativa é de que esse número suba ainda mais, em até 20% nos próximos anos.

Com o aumento do número de turistas, ambientalistas avaliam como fundamental o investimento em políticas públicas que preservem o local sem restringir a presença de visitantes. O Parque Nacional de Jericoacoara é gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e é considerado área de preservação ambiental desde 1984.

Mesmo assim, trabalhadores locais que atuam no setor de turismo têm se queixado da construção de contêineres ao longo da praia que servem como um ponto de apoio ao surfista e ao kitesurfista. Eles criticam que, ao mesmo tempo em que seriam proibidas as instalações de estruturas para a venda de coco no local, segundo os próprios profissionais, houve a autorização para a instalação destes contêineres.

“Há alguns ribeirinhos que vivem na região há mais de 50 anos e são pescadores, que ainda pescam com aquelas canoas, com aqueles barquinhos à vela, que queriam fazer uma ‘coberturazinha’ bem simples, de palha, mesmo, e o ICMBio não autorizou. Então, eles estão revoltados, com razão, por causa disso”, explica o ambientalista Caio Queiroz.

Um vídeo que circula nas redes sociais e já alcançou mais de 25 mil visualizações no Instagram mostra a indignação de um profissional do setor de turismo em relação à instalação das estruturas. O guia turístico Rodrigo Tafarel, que gravou o vídeo, disse ao Correio que se sentiu injustiçado e desrespeitado pelo ICMBio, com a construção dos contêineres.

“O ICMBio deveria agir de forma igualitária. Para os moradores, para os nativos, para os pescadores, e também para as empresas que vêm de fora. Mas não é isso que a gente vê. Se um nativo for visto andando dentro do parque com excesso de passageiros, é multado. E o turista com gente em cima não é multado. Eu vejo descaso”, contesta o guia.

Em resposta, o ICMBio informou que a instalação de pontos de apoio no Parque Nacional de Jericoacoara busca trazer mais conforto e segurança aos visitantes. “A iniciativa foi previamente discutida nas reuniões do Conselho Gestor da unidade e segue todas as diretrizes estabelecidas pelo Plano de Manejo. Cabe destacar que a venda de água de coco não é proibida. A prestação de serviços de comercialização de alimentos em unidades de conservação federais é autorizada pelo ICMBio com base na Portaria Nº 771/2019”, afirmou o instituto, em nota.

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