Imagine conhecer alguém na juventude, conviver, perder contato por 40 anos e, todas essas décadas depois, já na terceira idade, reencontrar essa pessoa. Apaixonar-se. Noivar, planejar casamento. Juntar filhos, netos e bisnetos numa família só.
A arte até poderia imitar, mas esse é o roteiro original das vidas de Aldemir Ferreira, de 74 anos, e Raimundo Nonato Sales, de 80 – história que contamos aqui, hoje, para celebrar o Dia Nacional do Idoso, fixado em 1º de outubro.
Cearenses do interior, os dois conviveram por anos sem a menor intenção de romance. Ela casada, ele também. Ela madrinha da filha dele, ele padrinho de um dos filhos dela. Ela de Cedro, ele de Limoeiro do Norte. Famílias amigas, unidas, e nada além disso.
“Na época, quando os meninos eram pequenos, até uns 10 anos, era tudo junto: eles iam lá pra casa, nós pra deles. Mas cada um tinha seu companheiro, nunca pensamos em nada disso”, garante Aldemir, em entrevista ao Diário do Nordeste.
A cearense permaneceu casada durante 30 anos, até se divorciar do esposo em 2001. Mais de uma década, ele passou a ser vizinho dela, e faleceu vítima da Covid em 2020. Ao longo de toda essa linha do tempo, Aldemir – que se define como viúva – não se relacionou com mais ninguém. Destino que mudaria em 2023.
“No ano passado, fiz uma visita à minha afilhada, filha dele, e convidei pro aniversário de 101 anos da minha mãe, que seria no interior. Ele, que é viúvo, foi pra festa com a minha afilhada, e lá começamos”, conta, com a fala costurada por sorrisos.
Mas como o sentimento despertou, de repente, depois de tantos anos? “Foi muito simples. A gente conversou e chegou ao relacionamento amoroso”, ela tenta explicar. “Foi um negócio tão bonito, tão lindo, que a gente não sabe nem como começou”, complementa Raimundo, com a fala empolgada em notas típicas de um apaixonado.
Esse encontro que não se explica completa 1 ano neste mês, no dia 14. “E já estou noiva!”, exclama Aldemir, fazendo questão de contar que houve, sim, pedido de casamento. E “como manda o figurino”.
“Fomos pro interior em junho, época de São João, e ele pediu à minha mãe, de 101 anos. Ela ficou feliz. Tanto a minha família como a dele estão de acordo”, diz ela. “Pedi a filha em casamento, a mãe dela concordou. Fui aprovado!”, brinca ele.
A cerimônia deve ser simples: “só com a família, vamos chegar à igreja, ter a benção e pronto. Vamos casar no cartório e na igreja. O casamento é em breve. A data é ‘breve’”, projeta Aldemir.
‘A GENTE SE FALA POR CHAMADA DE VÍDEO’
O namoro, por enquanto, convive com um vai-e-vem de saudades. Aldemir mora em Fortaleza, enquanto Raimundo tem a vida construída em Limoeiro do Norte. Às vezes passam meses sem se ver pessoalmente – mas nem um turno sequer sem conversar.
“Tanto eu como ele gostamos muito um do outro, graças a Deus. A gente tem saudade, procura se encontrar... Todo dia a gente se fala por chamada de vídeo. De manhã, ao meio dia e à noite. Ele me acorda às 5h da manhã!”, revela a mulher.
Logo, logo, porém, eles pretendem encerrar as distâncias, que já não cabem mais nessa história. Após o casamento, Aldemir deve deixar Fortaleza e se mudar para Limoeiro, onde “a vida é bem mais tranquila”, como defende Raimundo.
“Acho bom aqui, tenho como sair, andar. Em Fortaleza é mais preso, ninguém pode ficar nem na calçada. Aqui a gente fica até dez, onze horas da noite. Saio, vou pedalar, vou à padaria, converso com um e com outro. É tranquilo, é melhor, e ela gosta também”, pontua o comerciante.
Ao final da nossa conversa, pergunto qual é a sensação de se apaixonar de novo tanto tempo depois. Há sensações novas? É parecido com antes? Houve medo de ser “tarde demais”?
“Não tem momento: toda hora é hora. Esse negócio de ‘passou da idade’ não existe. A gente considera muito o outro, se respeita, não manda – combina as coisas. Um cede, ora o outro… E assim vamos vivendo. Ele é muito companheiro, muito, muito. E eu faço tudo pra ser também”, sentencia Aldemir, como quem cita uma lista de ingredientes para um amor tranquilo.
Raimundo, por outro lado, é euforia. “Só sabe o que é ser viúvo quem é. Quando você tem uma esposa, são 24 horas juntos ou se comunicando. Eu sentia falta. E fiquei muito feliz de a gente viver isso aqui.”